quarta-feira, outubro 22, 2008

Um pouco de metalingüística


Numa de nossas últimas sessões, conversei com minha terapeuta, a Aline, sobre o ato de escrever. Depois de cerca de três anos, já ficou óbvio para ela (e acho que para qualquer pessoa que porventura, e por algum motivo, leia regularmente meus blogs) que escrever, para mim, vai muito além de um simples hobby: é uma maneira de interpretar o mundo e achar meu lugar nele.

Sendo assim, impõe-se uma pergunta um tanto óbvia: por que eu nunca me tornei realmente um escritor? Não falo nem em ter livros publicados, pois sabe-se que são dois departamentos muito distintos: há por aí excelentes escritores que nunca conseguiram publicar um livro, assim como há reles escrevinhadores que publicaram vários, sendo que alguns até venderam muito bem... Eu me consideraria um escritor se conseguisse escrever narrativas com início, meio e fim, com coerência e um padrão mínimo de qualidade. O que costuma acontecer, entretanto, é que as histórias que começo chegam a um certo ponto... e empacam. Escrever num blog é fácil e gostoso - escrever um conto ou um romance é delicioso, porém difícil pra caramba, e por vezes doloroso... Não se assustem, sei que pode soar estranho dizer que algo é delicioso e doloroso ao mesmo tempo, mas garanto que não há nenhum componente sadomasoquista aí (risos). É apenas algo que só quem experimentou pode saber como é.

Tentamos então, juntos, achar o possível motivo pelo qual minhas histórias empacam. A hipótese mais provável - continua a me parecer - é que me falta disciplina. Grandes escritores (não que eu tenha a pretensão de me comparar a eles) costumam impor a si próprios a exigência de produzir uma determinada quantidade de texto por dia, e acho que é o que eu devia fazer. A Aline então levantou a questão: será que seria boa idéia escrever contra a vontade? Forçar? Depois de pesar prós e contras, concluí que sim, esse é o caminho... Pelo menos no início.

Mestres de artes marciais dizem que treinar quando se está disposto é fazer o óbvio. Treinar quando não se está disposto, esse é que é o verdadeiro treinamento. Já dizia Thomas Alva Edison que um gênio se faz com um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração... E isso vale não só para aspirantes a gênio, como também para aspirantes a escritor: se você for esperar para escrever apenas em momentos de inspiração arrebatadora, corre um sério risco de passar a vida sem conseguir produzir nada de relevante.

Stephen King escreveu em algum lugar, ou disse em alguma entrevista (a memória me trai: sei apenas que a declaração é dele) que, para cada original que ele já entregou a uma editora, existia, no mínimo, uma quantidade equivalente de texto produzido que ele jamais mostraria a ninguém e que nunca seria publicada, ao menos não enquanto ele fosse vivo. É parte do ofício do escritor reconhecer quando algo que saiu de sua pena (ou de seu teclado, afinal estamos no século XXI...) é simplesmente horrível e nunca deveria ter visto a luz do sol... Mas também reconhecer, ao mesmo tempo, que nesse ofício, como na maioria dos outros, é preciso errar muito, produzir muita coisa ruim, até começar a acertar. E, de modo especial, não se afeiçoar demais ao que se escreve: por vezes a maneira mais certeira de melhorar enormemente um texto é simplesmente cortar e jogar fora longas partes dele. Tenho especial dificuldade com isso: tudo o que escrevo se torna querido para mim, porque custou trabalho e, às vezes, doeu para criar.

Então... Depois de tudo isso, concluo que de fato a disciplina não é menos importante para um escritor que para um atleta olímpico. É preciso escrever com constância e persistência: ao fim de cada sessão de criação decidiremos se o produto merece fazer parte da nossa obra ou se o melhor uso que pode ter é ir para a lareira (na verdade, para a lixeira do computador, aquela com o símbolo da reciclagem que está no desktop. Século XXI, lembram?). O importante é que escrevemos: não enferrujamos nem cedemos à preguiça. Com tempo e suor, é provável que consigamos apurar nossa técnica e estilo, de modo que aconteça com menos freqüência de ser necessário rasgar (deletar!) impiedosamente o produto de longas horas de labuta. E, para animar, finalizo com uma constatação: mesmo que no começo seja preciso forçar-se para escrever com regularidade, com o tempo isso não será mais necessário. Nosso relógio biológico, depois de devidamente viciado, se encarregará de avisar que está na hora de escrever...

Valeu, Aline!