terça-feira, fevereiro 08, 2011

Korpiklaani

A história do heavy metal, a exemplo da história da humanidade, parece dividir-se naturalmente em eras, só que, no caso do gênero musical, é claro, elas se sucedem com muito mais rapidez; mas, como na História em geral, cada período tende a ser marcado pelo predomínio de uma determinada nação. O heavy metal nasceu na Inglaterra, que por longo tempo foi a Meca do gênero. Mais tarde, aproximadamente dos anos 80 aos 90, a Alemanha assumiu o posto. E hoje, no início deste novo milênio, parece ter chegado a vez da Finlândia, que, num tempo surpreendentemente curto, começou a revelar ao mundo boas surpresas uma atrás da outra - e refiro-me tanto a bandas novas quanto a outras que, já com bons anos de estrada em seu país, só recentemente conseguiram o merecido reconhecimento além-fronteiras. O fenômeno cobre uma vasta diversidade de estilos: metal melódico tradicional (Stratovarius, Sonata Arctica), folk/viking metal (Turisas), fantasy metal com influências diversas (Battlelore, que teve a grande sacada de usar no metal épico a alternância de vocais masculinos guturais com femininos etéreos, até então uma característica de bandas de doom/death metal dos anos 90), e, claro, o hoje mundialmente famoso Nightwish, que apostou numa fórmula ousada ao misturar metal melódico e elementos progressivos com vocal de ópera, e acabou caindo no gosto popular ao ponto de chegar ao megaestrelato. Não obstante, em minha opinião a coroa de banda mais original e curiosa da nova safra finlandesa vai para o Korpiklaani. Conheci graças a algumas faixas encontradas na internet, e, tradicionalista que sou, em vez de "baixar" os álbuns completos, acabei comprando três deles: Tervaskanto, Korven Kuningas e Karkelo.

No próprio nome, que significa algo como "Clã da Floresta", nas capas dos discos e no visual cultivado pelos músicos, a banda já entrega seu objetivo, que é o de fazer um som que tenha tudo a ver com o folclore de seu país. A maioria das letras é em finlandês, e, embora dessa língua eu só conheça umas 20 palavras e nada da gramática, de modo que não tenho como ver a diferença, li em algum lugar que são coalhadas de palavras e expressões típicas de dialetos locais ou de uma modalidade arcaica da língua - não é "finlandês para executivos". De qua
lquer forma, quem se liga muito na parte lírica, como eu também, não precisa se preocupar, pois os encartes dos CDs trazem tudo traduzido para o inglês.

O som é aquilo que a imprensa musical definiria como "folk metal", e por vezes com mais ênfase no "folk" que no "metal", o que talvez não agrade a alguns headbangers mais radicais, mas sem dúvida mexe com quem aprecia música de qualidade, independentemente de rótulos. Peso e velocidade não faltam (de forma alguma!), mas a música do Korpiklaani tem durante a maior parte do tempo um astral muito alegre e até festivo, coisa que não costuma ser associada ao heavy metal. A cabeça pensante da banda parece ser o vocalista e guitarrista Jonne, cuja voz rouca e sonora é sem dúvida uma de suas marcas registradas; completam a formação Hittavainen (viola, violino, rabeca, flauta), Cane (guitarras), Matson (bateria e percussão), Jarkko (baixo) e Juho (acordeon e guitarra acústica). E, palavra de honra, a emoção que os caras colocam em cada nota que tocam é coisa que ouvi em poucas bandas até hoje! Como disse, o sentimento predominante é o de alegria, é o tipo de banda que dá para imaginar tocando numa taverna para um público ruidoso e animado: músicas como Wooden Pints, Tervaskanto, Erämaan Ärjyt, Juodaan Viinaa, Vodka, Bring us Pints of Beer e inúmeras outras são exemplos magníficos. Mas, como até a alegria cansa se for permanente e imutável, há as exceções, como a bela e melancólica Gods on Fire (uma das poucas com letra em inglês), que aborda a questão ecológica de maneira um tanto pessimista, concluindo que "o que está feito, está feito"...

Uma coisa que eu, pessoalmente, precisei relevar para me tornar um fã da banda foi a característica que aparece nos próprios títulos de várias das músicas que acabo de citar: praticamente um terço das letras são apologias ao álcool, que os músicos parecem considerar uma parte essencial da alegria festiva que pontificam - e eu, que tomo no máximo uma taça de vinho tinto em ocasiões muito especiais, sendo que isso nunca me impediu de me divertir, e já observei de perto (dentro da família, para ser mais exato) os efeitos devastadores que o álcool pode ter sobre a vida e a dignidade de uma pessoa, rejeito essa parte. Porém, boa música é boa música: desafio qualquer um a ouvir Vodka, que abre o álbum Karkelo, sem sair literalmente pulando pelo quarto - a música é maravilhosa, independente de eu nunca ter provado vodka na vida, nem pretender, e discordar totalmente do refrão "drinking is good for you". E há outros momentos em que é possível curtir igualmente música e letra, como no belo achado que é Paljon on Koskessa Kiviä ('As Corredeiras têm Muitas Rochas'), do Korven Kuningas, poema inspirado onde as corredeiras de um rio são uma metáfora para a vida, e as rochas, para as dificuldades e sofrimentos que enfrentamos nela. É interessante registrar, talvez como um paralelo, que o título do disco onde ela aparece quer dizer 'Rei do Rio'. Enfim, recomendo o Korpiklaani a qualquer pessoa que goste de boa música e não tenha preconceitos: é uma banda da qual tanto quem não curte som pesado quanto os "metaleiros" radicais devem passar longe. Pena que não pareça muito provável que os caras nos deem o prazer de vê-los tocar por estas paragens, pois algumas faixas que circulam na internet, gravadas no Wacken Open Air, na Alemanha, demonstram que mandam muitíssimo bem ao vivo, transformando qualquer plateia numa grande taverna... Bem, quem sabe? Surpresas às vezes acontecem. Kippis!