quarta-feira, janeiro 26, 2011

The Clans Will Rise Again


Sou fã de carteirinha do Grave Digger desde 1998, quando tive meu primeiro contato com a banda através de Knights of the Cross, então seu mais recente álbum. E não poderia ter tido uma introdução melhor, pois esse disco é um exemplo perfeito das características que eu viria a admirar tanto nessa banda alemã: pesquisa cuidadosa por trás dos temas históricos ou míticos (pois vamos concordar, já tem muita banda de "RPG metal" por aí fazendo letra tosca sobre dragão e espada) e um power metal de alta classe, cujo diferencial é a combinação mortífera de doses cavalares de peso e melodia. Normalmente se considera que, quando uma banda puxa muito num dos dois quesitos, tende a ficar devendo no outro; o Grave Digger é a prova viva de que não precisa ser assim, desde que se tenha o cacife necessário para juntar um peso que lembra uma coluna inteira de tanques de guerra com uma beleza melódica de tirar o fôlego.

É verdade, para quem até então sempre havia admirado cantores de voz clara e límpida, o vocal rasgadíssimo de Chris Boltendahl exigiu um pouco de tempo para que me acostumasse, mas logo constatei ser impossível não me empolgar com músicas como Baphomet, Monks of War, Knights of the Cross (faixa-título daquele álbum) e Lionheart - na verdade todas as faixas são matadoras, mas eu tinha que citar algumas. E nos anos seguintes, ao mesmo tempo em que ia adquirindo um a um os trabalhos anteriores, também comprava os álbuns novos logo que eram lançados, e o GD quase sempre manteve o nível, brindando-nos com um álbum magnífico atrás do outro: Excalibur (1999), The Grave Digger (2001), Rheingold (2003 - tive a felicidade de vê-los ao vivo na turnê desse disco), The Last Supper (2004), Liberty or Death (2006) e Ballads of a Hangman (2008), para citar apenas os discos de estúdio, pois houve ainda os ao vivo Tunes of Wacken (2001) e 25 to Live, gravado em São Paulo, em comemoração aos 25 anos da banda, em 2005. Por fim, no ano passado, Boltendahl e sua gangue trouxeram à luz o que é até o momento seu último "filho": este The Clans Will Rise Again.

E é na hora em que vou comentar o disco propriamente dito que vejo que não é por ser fã que se pode deixar de ver certos fatos quando eles se apresentam... Primeiramente, o conceito escolhido para o álbum já vem com um sabor de deja vu - para ser mais direto: de coisa requentada. No que parece uma tentativa de tirar um pouco mais de proveito de um trabalho antigo e bem-sucedido (o tipo de atitude que eu não esperaria do Grave Digger, diga-se de passagem), eles voltaram ao tema dos clãs escoceses e sua luta de séculos pela independência contra os ingleses, o que já haviam abordado em Tunes of War (1996), disco que deu início à melhor e mais respeitada fase da carreira da banda e trouxe pelo menos duas músicas que se tornariam obrigatórias em todos os shows: Rebellion (The Clans are Marching) e The Dark of the Sun. Com tantos temas históricos interessantes ainda esperando ser abordados, não dá para entender o motivo do "bis", a menos que seja mesmo vontade de viver das glórias do passado. Aliás, eu cheguei a mandar um e-mail para o Chris sugerindo a história de Vlad III da Valáquia, o vulgo príncipe Drácula, como tema para um disco - tem drama, batalhas grandiosas, carnificina, e a associação do personagem com o famoso vampiro permitiria um delicioso crossover entre dois climas que o GD sabe explorar como ninguém: o épico medieval e o soturno/sobrenatural (usaram fartamente este último no disco The Grave Digger, que homenageia Edgar Allan Poe). Ele respondeu no mesmo dia, mas com uma única frase: "Thanx for your idea and kind words. My best - Chris". Não o culpo, afinal fã dando ideia é o que não deve faltar... Mas continuo achando que seria melhor buscar temas inéditos do que apenas tentar sugar um pouco mais dos que já foram abordados.

Que ninguém me entenda mal: The Clans Will Rise Again não é um disco ruim - longe disso. As interpretações viscerais de Chris e o desempenho irretocável de seus colegas no manuseio de seus respectivos instrumentos fazem dele um trabalho que satisfará plenamente os ouvidos de qualquer apreciador de heavy metal bem tocado. O problema é a sensação de já termos "visto esse filme antes", mais o fato de que falta, aqui, aquele sólido embasamento histórico que era em grande parte o que tornava o Tunes of War tão interessante, ao menos para mim: cada faixa daquele álbum, além de seu mérito musical, narrava um capítulo da história da Escócia, com um rigor admirável que não tirava em nada a espontaneidade do que estava sendo tocado: Scotland United falava sobre o início das rebeliões no ano 1018, The Dark of the Sun era sobre o eclipse solar que serviu de sinal de encorajamento aos escoceses durante uma das mais duras batalhas que travaram, William Wallace (Braveheart) homenageava o mais famoso herói nacional da Escócia, The Battle of Flodden era redigida como se fosse a carta de um soldado escocês para sua esposa, narrando essa grande batalha em 1513 e a morte heroica do rei James IV. Coisas da mesma magnitude ficam faltando em The Clans Will Rise Again, onde quase todas as letras parecem hinos conclamando os escoceses à guerra, e esse papo de "lutar até a morte pela liberdade", "morrer pela Escócia", "reino de aço e sangue" e coisas que tais, embora cause seus arrepios quando colocado num contexto convincente (que era o que acontecia em Tunes of War) acaba soando tedioso e artificial quando é quase a única coisa de que se fala durante um disco inteiro (que é o que acontece em The Clans Will Rise Again). Não foi por acaso que a faixa que mais me agradou foi Highland Farewell, que, temperada por uma interessante melodia céltica em gaita de foles, presta uma homenagem nostálgica às Terras Altas escocesas: "Can’t you hear it? Can’t you see? / Magic islands, haunted hills / Where I live and dwell / Wherever I may wander, wherever I rove / My sunset and my dawn / Highland farewell". Bonito, indeed.

Em suma, este é um disco que os fãs do GD certamente vão comprar e considerar que valeu o investimento - pois, mesmo não estando entre as melhores coisas que eles já fizeram, ainda é Grave Digger - e que não-fãs apreciadores de metal de qualidade podem ouvir e gostar, sem dar muita atenção às letras, mas definitivamente não é o álbum que eu recomendaria a um neófito interessado em ser apresentado a essa grande banda de power metal.