terça-feira, dezembro 23, 2008

A Síndrome


Conversando com uma amiga, pouco tempo atrás, ouvi dela uma reclamação que já havia ouvido inúmeras vezes, de inúmeras pessoas diferentes, e que, tendo ela naquele momento a necessidade (ao menos, psicológica) de fazer, tocou a mim, na qualidade de único representante do sexo masculino ali presente, o papel de "ouvidor" - que é diferente de um simples ouvinte: ouvidor era o ocupante de um antigo cargo de justiça, a quem competia, como o nome indica, ouvir as queixas das pessoas que pleiteavam alguma causa. E a queixa dessa minha amiga era: "Puxa, como é raro a gente encontrar um homem romântico..." Não me contive que não fizesse a pergunta: "E o que vem a ser um homem romântico?" Só a longa pausa que ela fez antes de responder bastou para deixar óbvio que, ao menos na cabeça das mulheres, "homem romântico" é uma daquelas coisas mais fáceis de identificar do que de definir. Quando finalmente falou, eis, mais ou menos, o que ela disse: "Ah, romântico é aquele cara que é carinhoso, gentil, atencioso, que se liga no que a namorada quer ou precisa, que não tem vergonha de fazer um carinho ou um elogio, que sabe falar coisas bonitas que façam a menina se sentir especial..." Essa definição também não era muito diferente de muitas outras que eu já tinha ouvido. Fiz minha melhor cara incrédula e rebati: "E vocês gostam disso?" A reação dela foi bem a que eu previa: pareceu chocada com a minha dúvida e respondeu com muita ênfase: "Ora, é claro que gostamos! É o que toda garota sonha!" E eu: "Então, por que agem tão em desacordo com esse desejo?"

(Parêntese 1: Se ela vier a ler este texto [e sei que vai ler], peço vênia se as frases não estiverem muito exatas, pois transcrevi tudo de memória. Se houver alguma discrepância muito grande, avise, que eu altero! :P)

Vamos falar claramente: eu, e também um ou dois amigos meus, somos caras que não temos a menor vergonha de nos dizer românticos até a medula. Correspondemos ponto por ponto a todas as exigências expressas por essa moça, e a mais algumas - e as histórias que já ouvimos uns dos outros por cima de várias mesas demonstraram que nenhum de nós é estranho à experiência de ver garotas de quem gostamos nos darem as costas para ir atrás de um ogro qualquer (sem ofender o Shrek, que é um ogro muito simpático e decente). E por cima dessas mesmas mesas instalou-se o inevitável debate: por que é que, da boca pra fora, toda mulher quer um namorado romântico - mas, na hora de encarar a situação prática, invariavelmente prefere um cara que ocupa todo um hemisfério do cérebro com o item cerveja (pois o outro hemisfério é reservado ao item futebol)? Que se esquece da existência dela durante uma inteira tarde de domingo porque o Grêmio (ou outro time) está jogando?? Que acha um saco ter que conversar com uma namorada??? Que acha que "amigo de mulher é cabeleireiro"???? Que concorda com a frase do célebre personagem de Luís Fernando Veríssimo que diz que "mulher só serve pra três coisas, e pra duas tem diarista"?????

(Parêntese 2: Um de meus amigos terminou de mastigar o que tinha na boca e tentou dar resposta a essa questão crucial: "Porque mulher é um ser ilógico!" Valeu, Albano, mas que tal me dizer alguma coisa que eu ainda não sei?)

Ilógica, toda criatura humana é, em maior ou
menor grau (embora não haja o que discutir que, nesse quesito, as mulheres são mestras, e os homens, meros aprendizes...), o que não impede que façamos escolhas baseadas em nossos desejos e preferências. Quem odeia misturebas de salgado com doce, como eu, por exemplo, não vai escolher "peru à califórnia" quando a mãe lhe perguntar o que gostaria que fosse preparado para o almoço de seu aniversário. Então, por que uma moça que sonha com atenção e romantismo escolhe quase sempre um namorado que não só arrota alto em público, como ainda se gaba disso como de um feito heróico? Um cara que não vai nem lembrar de ligar para ela no dia dos namorados? Que a trata de forma grosseira? Um sujeito com quem fatalmente ela vai se frustrar e se aborrecer?

Uma hipótese razoável é que "o que é fácil não tem graça". Talvez, inconscientemente, a mulher sinta que a companhia de um homem que sempre vai tratá-la bem e que sente sincero prazer em agradá-la oferece muito pouco em termos de "emoção". É muito mais desafiador pegar um cara que não é nem de longe romântico ou gentil, e passar anos, às vezes a vida toda, fazendo um esforço hercúleo para mudá-lo - mesmo sabendo, lá no fundo, que isso é impossível, que as pessoas não mudam, ou melhor, até podem mudar, mas somente por esforço e vontade próprios, nunca de outra pessoa... O mais patético é que, se, por força de algum milagre, ela conseguisse de fato transformá-lo, seria para logo em seguida perder o interesse por ele. O cara cafajeste é fascinante justamente por ser cafajeste: se um dia ele se apaixona e resolve se regenerar, aos olhos das mulheres seu poder de sedução desaparece.

Ou seria porque, pelas convenções que regem a sociedade, um homem muito gentil e educado é considerado pouco condizente com a figura do macho-padrão? Na Idade da Pedra, o homem que batia mais forte e gritava mais alto levava vantagem na hora da divisão da caça, o que o fazia um melhor provedor do que aqueles com menos gosto pela violência - e por isso, os "ogros" eram os preferidos pelas mulheres. Talvez as mulheres de hoje estejam muito mais próximas de suas antecessoras pré-históricas do que gostariam de admitir... Desconfio que elas gostem da idéia (eu disse da idéia, que é por natureza apenas uma abstração) de serem amadas e bem tratadas, porque, sendo criaturas mais sensíveis e delicadas, desejem ser tratadas de acordo... Só que, ao terem que escolher um companheiro de fato (um cara de carne e osso), optam pelo que coça o saco em público, só pensa em futebol, dá muito mais atenção ao carro do que à esposa e acha romantismo coisa de boiola, meramente porque a sociedade convencionou que essa é a conduta de um "homem de verdade" - e as mulheres, inconscientemente, introjetaram essa noção.

O amor tem necessariamente que ser uma coisa complicada, já que é o encontro de dois universos infinitos que são as mentes e corações de duas pessoas. Mas talvez o que mais o torna complicado seja o fato de nenhum dos dois sexos saber direito o que realmente espera do outro... Por que será tão difícil lidar com a situação de nos ser oferecido exatamente aquilo com que sonhamos? A amiga cujo desabafo inspirou este artigo chama isso de "síndrome do não-pode-ser-verdade". Será isso uma prova de que eventualmente as mulheres também podem estar conscientes do que acontece com elas?... Espero que seja.

sábado, novembro 15, 2008

O Retorno de Saturno


(Detonautas)

Visão do espaço, estamos tão distantes
se acelero os passos sigo a voz do meu coração.
Ontem eu fui dormir mais tarde um pouco.
E tudo vai indo bem...
Venço o cansaço e o medo do futuro.
No teu abraço é que encontro a cura do mal
Hoje eu acordei e te quis por perto.
E você não sai do meu pensamento
e eu me questiono aqui se isso é normal.
Não precisa ser de novo assim tudo igual.
Entre o retorno de Saturno e o seu,
busco uma resposta que acalme o meu coração.
Do amanhã não sei o que posso esperar.
E você não sai do meu pensamento
e eu me questiono aqui se isso é normal.
Você não sai do meu pensamento
e eu me pergunto aqui, se o natural
vai dizer que o amor chegou no final.
Não precisa ser de novo assim tudo igual.

quarta-feira, outubro 22, 2008

Um pouco de metalingüística


Numa de nossas últimas sessões, conversei com minha terapeuta, a Aline, sobre o ato de escrever. Depois de cerca de três anos, já ficou óbvio para ela (e acho que para qualquer pessoa que porventura, e por algum motivo, leia regularmente meus blogs) que escrever, para mim, vai muito além de um simples hobby: é uma maneira de interpretar o mundo e achar meu lugar nele.

Sendo assim, impõe-se uma pergunta um tanto óbvia: por que eu nunca me tornei realmente um escritor? Não falo nem em ter livros publicados, pois sabe-se que são dois departamentos muito distintos: há por aí excelentes escritores que nunca conseguiram publicar um livro, assim como há reles escrevinhadores que publicaram vários, sendo que alguns até venderam muito bem... Eu me consideraria um escritor se conseguisse escrever narrativas com início, meio e fim, com coerência e um padrão mínimo de qualidade. O que costuma acontecer, entretanto, é que as histórias que começo chegam a um certo ponto... e empacam. Escrever num blog é fácil e gostoso - escrever um conto ou um romance é delicioso, porém difícil pra caramba, e por vezes doloroso... Não se assustem, sei que pode soar estranho dizer que algo é delicioso e doloroso ao mesmo tempo, mas garanto que não há nenhum componente sadomasoquista aí (risos). É apenas algo que só quem experimentou pode saber como é.

Tentamos então, juntos, achar o possível motivo pelo qual minhas histórias empacam. A hipótese mais provável - continua a me parecer - é que me falta disciplina. Grandes escritores (não que eu tenha a pretensão de me comparar a eles) costumam impor a si próprios a exigência de produzir uma determinada quantidade de texto por dia, e acho que é o que eu devia fazer. A Aline então levantou a questão: será que seria boa idéia escrever contra a vontade? Forçar? Depois de pesar prós e contras, concluí que sim, esse é o caminho... Pelo menos no início.

Mestres de artes marciais dizem que treinar quando se está disposto é fazer o óbvio. Treinar quando não se está disposto, esse é que é o verdadeiro treinamento. Já dizia Thomas Alva Edison que um gênio se faz com um por cento de inspiração e noventa e nove por cento de transpiração... E isso vale não só para aspirantes a gênio, como também para aspirantes a escritor: se você for esperar para escrever apenas em momentos de inspiração arrebatadora, corre um sério risco de passar a vida sem conseguir produzir nada de relevante.

Stephen King escreveu em algum lugar, ou disse em alguma entrevista (a memória me trai: sei apenas que a declaração é dele) que, para cada original que ele já entregou a uma editora, existia, no mínimo, uma quantidade equivalente de texto produzido que ele jamais mostraria a ninguém e que nunca seria publicada, ao menos não enquanto ele fosse vivo. É parte do ofício do escritor reconhecer quando algo que saiu de sua pena (ou de seu teclado, afinal estamos no século XXI...) é simplesmente horrível e nunca deveria ter visto a luz do sol... Mas também reconhecer, ao mesmo tempo, que nesse ofício, como na maioria dos outros, é preciso errar muito, produzir muita coisa ruim, até começar a acertar. E, de modo especial, não se afeiçoar demais ao que se escreve: por vezes a maneira mais certeira de melhorar enormemente um texto é simplesmente cortar e jogar fora longas partes dele. Tenho especial dificuldade com isso: tudo o que escrevo se torna querido para mim, porque custou trabalho e, às vezes, doeu para criar.

Então... Depois de tudo isso, concluo que de fato a disciplina não é menos importante para um escritor que para um atleta olímpico. É preciso escrever com constância e persistência: ao fim de cada sessão de criação decidiremos se o produto merece fazer parte da nossa obra ou se o melhor uso que pode ter é ir para a lareira (na verdade, para a lixeira do computador, aquela com o símbolo da reciclagem que está no desktop. Século XXI, lembram?). O importante é que escrevemos: não enferrujamos nem cedemos à preguiça. Com tempo e suor, é provável que consigamos apurar nossa técnica e estilo, de modo que aconteça com menos freqüência de ser necessário rasgar (deletar!) impiedosamente o produto de longas horas de labuta. E, para animar, finalizo com uma constatação: mesmo que no começo seja preciso forçar-se para escrever com regularidade, com o tempo isso não será mais necessário. Nosso relógio biológico, depois de devidamente viciado, se encarregará de avisar que está na hora de escrever...

Valeu, Aline!

sábado, setembro 20, 2008

Too Late


(Jonas Hansson/Silver Mountain)

Turn on the light, I can't see, I need a heel

Where's the sun, what has happened to me?
I cannot walk, cannot hear what you say

And I've lost all my feelings, so please

Give me the answers

I can't remember
Give me some new legs
Where is your power?


Something has happened to me, I don't know what it is
But I think that I'm dead
Trying to scream, I'm not sure if I'm dreaming
But everything changed all around

Where is the future?
I can't remember
What am I doing?
Ain't got no answer

Some people don't understand
They're just living and loving and dying
They do not search for anything
Some people don't give a damn
They're just living and loving and dying
But it's too late when you are dead

Inside my mind I can hear, I can see
But my body is stiff, that's for sure
If I could live once again I would never be sitting around
And I know

There is no answer
Do what you can
Soon you can save me
Forever and ever

Some people don't understand
They're just living and loving and dying
They do not search for anything
Some people don't give a damn
They're just living and loving and dying
But it's too late when you are dead

quarta-feira, julho 02, 2008

Humildade

Volta e meia a nos deparamos com pessoas que, ao se verem em situações que evidenciem nelas a falta de alguma capacidade intelectual que, via de regra, é considerada elementar, justificam-se, num tom levemente triste de quem se desculpa, dizendo algo do tipo "A gente somos muito humilde..." Humilde quer dizer pobre? E mesmo que seja isso, por que pobre tem que ser sinônimo de ignorante? Questão interessante...

Lembro do trecho de O Tempo e o Vento - O Continente, em que o índio Pedro Missioneiro apresenta à família Terra uma carta do coronel Pinto Bandeira para provar que, apesar de seu sotaque espanholado, já serviu como soldado nas tropas da coroa portuguesa. O velho Maneco Terra declara que ninguém de sua família sabe ler, e o autor frisa que, ao dizer isso, seu tom não sugere lamentação ou desculpa, mas é, antes, levemente desafiador (estou citando de memória, perdoem se as palavras não estiverem exatas). Isso não significa necessariamente que ele se orgulhe de não saber ler - apenas que não sente nenhuma vergonha de não ter tido a chance de aprender. Reflitam.

Claro que seria preciso ser bem mais que humilde - no mínimo, um completo idiota - para não estar ciente do fato de que muita gente não tem culpa de só saber, com muita dificuldade, assinar o próprio nome - ou nem isso. Se alguém cresceu num lugar onde a escola mais próxima ficava a quatro horas de viagem, e além disso teve que pegar numa enxada para pôr comida na mesa da família tão logo se tornou capaz de ficar em pé, seria tolo e injusto não entender que tal pessoa simplesmente não teve escolha. Por outro lado, o que devemos pensar ao ver que existem outros que apenas sentam em cima da tal "humildade" para justificar a falta de interesse em aprender um pouco mais?

É complicado fazer algum julgamento - cada caso é um caso. Algumas pessoas não são culpadas de terem um espírito anão. Umas podem usar a origem humilde como muleta para a preguiça e o desinteresse: "Sou pobre mesmo, ninguém vai ligar se eu não souber escrever direito e não tiver conhecimentos gerais, então pra que perder tempo estudando?" Outras (e isso é bem mais triste) podem ter-se deixado anular, incorporando a imagem que a sociedade preconceituosa tem delas: "Sou pobre, não adianta ficar sonhando muito, tenho que levar a vida que Deus me deu..." Por que não há ninguém para dizer a essas pessoas que, mesmo que seu padrão de vida não venha a melhorar muito do ponto de vista meramente econômico, elas podem, se quiserem, ter uma vida muito mais cheia e significativa, se apenas decidirem abrir os olhos para o mundo que as cerca, e ver o quanto de maravilhas existem nele, só esperando para serem descobertas?

E o que dizer então de pessoas nada humildes (em nenhum dos sentidos da palavra...), que tiveram e têm todas as condições, e são burras, tapadas, arrogantes e prepotentes? Quantas pessoas nós conhecemos, que passaram por uma faculdade e conseguiram a proeza de sair dela tal como entraram - perfeitos quadrúpedes pastadores?

Joaquim Maria Machado de Assis era filho de uma lavadeira e de um pintor de paredes (este, filho de escravos) e conseguiu, pelo próprio esforço, ingressar no funcionalismo público, o que lhe proporcionou um nível de vida, se não faustoso, confortável, além de tempo livre para praticar seu hobby: escrever. Nessa brincadeira, tornou-se o maior escritor da língua portuguesa e um dos maiores da literatura universal. Agora imaginem se ele tivesse simplesmente preferido se esconder atrás de sua origem "humilde" e se contentado com uma vida de poucas letras e ainda menos horizontes...

Alguém disse que cultura é uma forma de status, e outro alguém, que a opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos. Para mim, as duas frases se complementam. Pouco me importa (na verdade, não me importa um átomo) se ninguém mais no mundo entender qual a vantagem (e por que, em nome de Deus, tudo tem que trazer alguma vantagem??) de saber citar Virgílio ou de saber o que Alexandre Nevski fez na vida. Conhecer isso e outras coisas semelhantes traz satisfação para mim, faz com que eu sinta que estou tendo uma vida melhor do que teria se me contentasse em ser "humilde". E, para mim, se eu sinto dessa forma, é o que importa.

quarta-feira, abril 30, 2008

Maidens of War (tradução livre)


Pai, conta-me o que Te perturba
Como Tuas preocupações inquietam Teu filho
Eu vi os olhos dele, ouvi suas palavras
Eu percebi a angústia solene do herói.

Confia em mim, eu sou leal a Ti
Mas eu não posso matar
Teu filho, Teu sangue.

Matando, lutando pela vitória
Matando, enfrentando o inimigo
Matando, lutando, em agonia
Matando, morrendo, pela glória

Donzelas da guerra
Filhas dos deuses
Adeus - Adeus!
Donzelas da guerra

Assassino, Tu mataste Tua própria carne
Por que negas o amor com dor e morte?
Tua lança destruiu a gloriosa espada
Partida para sempre em aço sem nome.

Matando, lutando pela vitória
Matando, enfrentando o inimigo
Matando, lutando, em agonia
Matando, morrendo, pela glória

Donzelas da guerra
Filhas dos deuses
Adeus - Adeus!
Donzelas da guerra

Por quê, por quê, por que cometer tão cruel assassínio?
Por quê, por que, por quê? Estou aprisionada pelo fogo sagrado.

Donzelas da guerra
Filhas dos deuses
Adeus - Adeus!
Donzelas da guerra

terça-feira, abril 22, 2008

A Ignorância ao Alcance de Todos

Escreveu Oscar Wilde que "todo crime é vulgar, e toda vulgaridade é criminosa". É verdade que a frase está no livro O Retrato de Dorian Gray, e, se não me falha a memória, é dita por um certo lorde Henry, que vem a ser um dos personagens mais insuportáveis da literatura universal, pois parece devotar todo o seu tempo (o que não é inverossímil, considerando o completo ócio em que viviam os ingleses da classe alta naqueles dias) a elaborar frases cínicas com que entreter e escandalizar os amigos. E eu, por temperamento, tenho sempre vontade de esganar pessoas cínicas... Mas, no meio de tanta bobagem pseudo-espirituosa, o tal lorde diz, em todo o livro, umas duas ou três frases muito boas, e essa é uma delas.

Fale a verdade: você também conhece (todo mundo conhece) pessoas que, mal pegam o jornal, vão direto à página policial para ver quem matou quem e se deleitar comentando as circunstâncias escabrosas dos crimes. Claro, pode haver quem tenha um interesse científico pelos aspectos psicológicos da coisa, mas não creio que a porcentagem de pessoas com vocação para psiquiatra forense na população em geral seja suficientemente grande para explicar essa multidão de ávidos leitores de página policial - que, não raro, pouca coisa mais lêem. Parece bem mais provável que isso seja uma pista sobre a natureza da vulgaridade, sobre a qual Wilde teorizou.

Outro autor, cujo nome não lembro agora, dizia que "as grandes inteligências comentam idéias, as inteligências medianas comentam acontecimentos, os ignorantes comentam a vida alheia". É um fato da vida que a cabeça do ser humano precisa se ocupar de alguma coisa. Quem não tem acesso (seja por percalços da vida ou por própria culpa) às artes e às ciências, e portanto não conhece o tesouro de beleza e conhecimento que a humanidade acumulou ao longo de sua história - e que hoje está aí para usufruirmos, sem esquecer nosso dever de o aumentarmos para as gerações futuras - só pode mesmo deter-se em detalhes mesquinhos, no nível que sua compreensão alcança, e é para esse tipo de pessoa que adquire uma importância desesperadora saber se o vizinho do outro lado da rua está ou não enganando a mulher, ou quem matou quem na cidade durante o fim de semana. Perguntem-me se Einstein, Leonardo da Vinci ou Tolstoi saberiam dar alguma informação sobre a vida pessoal de seus vizinhos!... Eles simplesmente tinham coisas muito melhores em que pensar.

Talvez essa civilização tecnicista tenha a sua parcela de culpa, por criar na cabeça das pessoas "normais" uma tamanha desconfiança de qualquer coisa que não tenha finalidade prática. Um conhecido meu declara de boca cheia que não "perde tempo" lendo romances, que poesia é uma estupidez porque o cara "pode escrever qualquer merda que todo mundo vai achar lindo", que "não tem saco" para olhar pintura ou fotografia, e que até música ele só ouve quando está no carro. Ou seja, esse cidadão absorveu com perfeição a ideologia moderna que classifica arte como coisa inútil. Alguém pode se surpreender de que uma anta dessas esteja sempre interessadíssima em saber detalhes sórdidos da vida de vizinhos e conhecidos, ou que adore ler notícias de crimes? Sobra sempre um vácuo na nossa vida onde não conseguimos enchê-la com trabalho ou sono, e esse vácuo, de uma forma ou de outra, vai ser preenchido. Quem não cultiva seu espírito, fatalmente acabará tendo-o transformado em aterro sanitário.

quarta-feira, abril 09, 2008

Vivo

Posso pensar numa infinidade de coisas melhores para se fazer numa bela e amena manhã de quarta-feira quando se está de férias (uau!), mas, como era necessário, lá fui eu para um representante autorizado da Vivo, a fim de providenciar a troca do meu velho aparelho. Por mim, continuaria com ele, que sempre me serviu muito bem ao longo de anos, só que, como o "progresso" não pára, a tecnologia TDMA deixou de funcionar este mês; então, querendo ou não, eu teria que adotar um celular mais "muderno". Algumas semanas atrás recebi uma ligação da Vivo prometendo enviar alguém para fazer a troca na minha casa num prazo de sete dias úteis, mas, como ninguém apareceu, tive que me mexer para não acabar ficando sem o serviço.

Chegando ao local, meu primeiro pensamento foi que devia ter deixado a preguiça de lado e acordado bem mais cedo: naquele momento passava um pouco das oito horas e já havia diante da porta da loja (que só abriria às nove) uma longa fila de pessoas movidas pela minha mesma necessidade. Tomei lugar no fim da fila e coloquei nos ouvidos os fones do meu discman, que tivera a boa idéia de trazer comigo, juntamente com um bom livro. Tinha escolhido um CD de MP3 já pensando nessa situação: mais de 120 músicas de boas bandas de hard rock e heavy metal. Gosto de muitos tipos de música - rock, new age, MPB, música clássica, alguma coisa de blues... - mas, para longas esperas em filas, prefiro ouvir sons pesados, porque é melhor para isolar tudo o que venha de fora dos fones. Change to random mode and press play... (Stratovarius, Forever Free, 6:00) Enquanto o excelente metal melódico da banda finlandesa começava a se derramar dos fones, percorri a fila com os olhos e avaliei que ficaria ali algumas horas, já que cada pessoa, ao ser atendida, precisava escolher um novo aparelho, ter seu bônus verificado, e, conforme o caso, negociar a forma de pagamento, além do procedimento de transferência da linha, o que, tudo junto, deveria demorar cerca de uma hora por cabeça. Ao contrário do senso comum, que seria ter pena de mim mesmo e dos outros clientes, fiquei com pena dos funcionários, pois sei, por uma longa experiência, que só há uma coisa pior que esperar horas numa fila: estar sentado atrás de um balcão, atendendo as pessoas que esperaram horas numa fila.

(Dio, Sacred Heart, 6:20) Depois de aproximadamente uma hora na fila, por fim cheguei perto do terminal onde um funcionário distribuía as senhas, de acordo com o serviço que o cliente necessitasse. Ou seja, era uma hora de espera apenas para tirar a senha e poder realmente começar a espera que contava. Observei distraidamente uma senhora gesticulando enfaticamente e movendo os lábios com energia, enquanto o funcionário assumia aquela expressão de paciência martirizada que bem conheço. Em pensamento, dei os parabéns a mim mesmo por ter trazido o discman: sentia-me contentíssimo de não poder ouvir uma palavra do que estava sendo dito.

O fato é que, ao me ver em situações semelhantes, como costumava acontecer nos bancos há poucos anos (antes de os abençoados terminais de auto-atendimento praticamente eliminarem a necessidade de se entrar nas agências), sempre preferi aproveitar o tempo para algo de construtivo, como ler, por exemplo. Enquanto isso, a quase totalidade das pessoas à minha frente e atrás de mim usavam esse tempo reclamando azedamente umas com as outras e xingando todo mundo que lhes ocorresse xingar, desde o governo até os funcionários nos guichês. Suponho que experimentassem com isso alguma espécie de satisfação deturpada que nunca serei capaz de entender. (Edguy, Catch of the Century, 4:03) Pergunto-me, e desafio qualquer pessoa que me leia a dar uma resposta razoável: ficar se irritando e jogando bílis no próprio sangue tem o poder de fazer uma fila andar mais depressa? Então, para que desperdiçar energia com algo que terá o único efeito de tornar sua própria existência um pouco mais miserável?

A mesma coisa, com as alterações adequadas a cada situação, pode ser aplicada a um grande número de áreas da nossa vida diária, e acho surpreendente que a vasta maioria das pessoas nunca se dêem conta disso. O stress existe, é uma realidade e por vezes não temos como fugir dele - mas por que não nos contentamos com o stress que a vida se encarrega de nos impor, e ainda fazemos questão de nos estressar voluntariamente quando isso é desnecessário e inútil?

quarta-feira, abril 02, 2008

As Quatro Estações

Eu não poderia apostar minha cabeça na exatidão da data, mas acho que foi por volta do final de 1989 que o Legião Urbana, uma das bandas mais importantes da história do rock nacional, lançou o que, em minha modesta opinião, é o melhor disco de sua carreira: As Quatro Estações. Quem conhece a trajetória da banda sabe que seu vocalista e mentor, Renato Russo, tivera seu período punk/revoltado, que gerou, em discos anteriores, algumas músicas que valiam por um soco na boca do estômago de certos setores da sociedade e por um grito de alerta contra uma série de absurdos. Já em As Quatro Estações, Russo dava a impressão de estar mais aquietado e introspectivo, ainda preocupado com o mundo, é claro, mas preferindo focar a maneira como o indivíduo se relaciona com ele.

Disse que creio que As Quatro Estações saiu no final de 1989 porque lembro com toda a clareza possível que esse disco teve um papel fundamental na minha vida durante os dois anos seguintes, quando cursei as duas últimas séries do segundo grau (na época, ainda não se falava em "ensino médio"). Tinha 16 e 17 anos, às voltas com todas as penas, sonhos e desafios da adolescência, e começando a ter a percepção clara de que o fato de me sentir tão diferente de todo mundo não era apenas mais um desses complexos adolescentes que ficam para trás assim que o organismo dá um jeito de compensar os excessos hormonais, mas algo com que eu teria de lidar, da melhor maneira que pudesse, pela vida afora.

Ouvir o Legião Urbana, e principalmente as músicas de As Quatro Estações, me acalmava e trazia um certo alívio, pois fazia com que meu mundo parecesse encontrar o seu eixo, e fazer sentido, mesmo que de forma diferente do mundo onde viviam meus colegas. O vozeirão de bronze de Renato Russo, embalado pelo instrumental simplíssimo mas agradável da banda, falava de coisas que eu entendia, e que seria capaz de jurar ser o único em todo o planeta a entender. Falava das coisas que eram importantes para mim, das coisas em que eu acreditava, das coisas que, ao mesmo tempo em que me afligiam, traziam uma inexplicável satisfação, porque, se eu as sentia, era porque era humano, estava vivo e estava me tornando um homem - não mais um menino.

Foi nessa época que tentei montar uma banda de rock (nem preciso dizer que o Legião comparecia com uma boa porcentagem do nosso repertório à base de covers), também foi quando me apaixonei pela segunda vez na vida e aprendi que o sentimento vem com um sabor diferente quando é por uma pessoa diferente. Hoje me parece inadmissível que mesmo um rapazinho de 16 anos se apaixone por uma garota sobre a qual não sabe coisa alguma, exceto que tem um rostinho encantador, mas adolescência é adolescência... É preciso dar um desconto.

Uma das músicas mais interessantes de As Quatro Estações era Monte Castelo (uma das manias de Russo era batizar algumas músicas com títulos que aparentemente não tinham qualquer ligação com o conteúdo da letra, ou que, mais provavelmente, deviam ter uma ligação que somente ele sabia qual era). Eis aqui a letra:

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece...

O amor é o fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer...

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder...

É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor
É um ter com quem nos mata lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor...

Estou acordado todos dormem,
todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...

Como eu lia de tudo, vorazmente, desde a infância, identifiquei sem dificuldade os recortes do soneto mais famoso de Luís de Camões (1524?-1580) e da Primeira Carta aos Coríntios escrita por São Paulo, diferentemente de meus colegas, que, ao verem a professora de Literatura, certa manhã, escrever no quadro aqueles versos, exclamaram, muito surpresos: "Tem uma música assim, 'sora!" Anos mais tarde, na faculdade, outros colegas tinham absoluta certeza de que a parte sobre a língua dos homens e dos anjos era de Camões - por causa da música, sem dúvida. Mas deixa pra lá.

Para efeitos de comparação, aqui vai um trecho da Carta aos Coríntios:

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno, o amor não inveja, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz incovenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais há de acabar. Tempo haverá em que as profecias desaparecerão, as línguas cessarão e a ciência será abolida, e só o amor permanecerá. Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos. Quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, apreciava como menino. Quando me tornei homem, dei de mão as coisas que eram de menino. Porque agora vemos como num espelho, obscuramente, e então veremos face a face; agora conheço em parte, e então conhecerei como sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor. Porém, dos três, o maior é o amor.

Em muitas Bíblias, encontraremos a palavra caridade no lugar de amor. É porque o texto original era em grego, e a língua grega tinha quatro palavras para designar amor, sendo que, no momento, só me lembro de três. Eros é o amor sentimental e sexual, o amor de amantes; filos é a amizade; ágape (vertido para o latim, cáritas) é o amor de que fala o apóstolo, o amor desinteressado que deseja o bem de todos. Algo, como se vê, infinitamente maior do que a idéia que se tem de "caridade" hoje, que consiste basicamente em dar esmola aos necessitados. Mas creio que, em sua essência, o amor, quando é verdadeiro, tem basicamente as mesmas características, seja qual for o tipo.

Até onde pude ver, a única parte em toda a letra que não é de Camões nem de São Paulo é "Estou acordado todos dormem". Uau! Por que esse pequeno verso, jogado no meio de tanta coisa linda, teria mexido tanto comigo? Tanto quanto o outro sobre "solitário andar por entre a gente", que eu igualmente entendia, ao menos entendia o suficiente para aplicá-lo a mim, aos meus assuntos, aos meus dramas.

Por estranho que pareça, o amor não requer necessariamente um ser que ama e outro que é amado, e não estou falando apenas de amar sem ser correspondido. Ao menos algumas pessoas sabem o que é sentir o amor dentro de si sem ter absolutamente ninguém a quem dirigi-lo, e, no entanto, senti-lo, de forma inconfundível. É como se ele estivesse à espera de algo, mas, de vez em quando, essa espera o deixasse impaciente e ele reclamasse nossa atenção, mesmo não havendo ninguém a quem dedicá-lo. E, como em tantas outras coisas, nisso as pessoas são diferentes. Em algumas, o amor dentro delas é como um pequeno regato que corre de forma constante e não incomoda muito - o que não significa que não possa, no momento oportuno, transformar-se num rio Amazonas, mas normalmente ele não é assim. Em outras, esse amor expectante é um oceano, às vezes plácido, às vezes turbilhonante, mas sempre um oceano, algo tão imenso que não se entende como cabe dentro da gente.

Acho que, na realidade, o amor nasce com a gente, acho que o levamos conosco a vida inteira, como um botão que não desabrocha até o momento em que é tocado pela mão certa. E pode acontecer de levarmos o botão para o túmulo conosco, ainda fechado... Porém, uma vez aberta, essa flor nunca, jamais murcha, ainda que sejamos obrigados a carregá-la na travessia do deserto. Sua beleza nos inspira, seu perfume nos dá energia, e seus espinhos por vezes nos machucam... Mas não há outra maneira de poder dizer que realmente vivemos.

domingo, março 23, 2008

Solidão

A antropologia e a biologia nos informam que o ser humano evoluiu para viver em sociedade, isto é, para estar na companhia de outros membros de sua espécie. Até aí, nada de estranho: inúmeras outras espécies também são gregárias por natureza, vivendo em grupos que variam em grau de organização desde simples bandos liderados pelo animal mais forte, até verdadeiras sociedades, em sentido próximo ao que nós, humanos, damos a essa palavra, como é o caso de abelhas ou formigas. Entretanto, esse é mais um ponto que faz de nós, a única espécie do gênero Homo a sobreviver à última Era Glacial, um caso único, porque, como somos infinitamente mais complexos que qualquer de nossos irmãos do reino animal, também a questão da companhia assume para nós implicações que não tem para nenhuma outra espécie. Muitos seres podem ter necessidade da companhia de seus semelhantes, por razões de sobrevivência; apenas nós temos o desejo de companhia, mesmo quando, do ponto de vista puramente prático, ela não seja necessária.

E o que acontece quando vivemos cercados de tantas pessoas, na escola, no trabalho, na rua, até em casa, e isso, paradoxalmente, não alivia nosso sentimento de solidão? Sempre me pergunto se muita gente sente isso, ou se é outra peculiaridade minha. É uma questão que fica ainda mais evidente hoje em dia, quando a tecnologia pôs ao nosso alcance uma série de instrumentos capazes de permitir a comunicação instantânea entre pessoas até mesmo em lados opostos do globo terrestre - comunicação à qual, se nem todos têm acesso, os que o têm podem utilizar a qualquer momento. Então, por que isso tudo só faz aumentar a sensação de isolamento que tantas vezes eu sinto me afligir?

A explicação é que, ainda que, bem ou mal, todo mundo no Brasil fale português, com a maioria (quase totalidade) das pessoas, eu me sinto como se não falássemos realmente a mesma língua. Tudo o que dizem me parece tão raso, tão sem sentido, tão sem importância, que, embora eu reconheça que procurei por essa companhia, no momento em que a tenho, fico impaciente para deixá-la, porque não a sinto como verdadeira companhia.

Até onde vale a pena ir em busca de uma mente semelhante?

domingo, março 09, 2008

Dreamer


(Joey Tempest/Europe)

He is down by the riverside
Late one night
He's tryin' to count the stars
In each of the signs.
All alone by the riverside
And time passes by
Gathering thoughts of the past
And maybe he'll cry...

So they say he's a madman
And he don't understand
But I know that he's tryin' hard
To act like a man.
All those years he has suffered, my friends
All those years of pain
But I don't think he knows for sure
If those years were in vain.

He's a dreamer
And he's fightin' for his life.
He's tryin' to understand
He's a dreamer
But he wants to carry on
Yet I know he's a lonely man.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

At the End of the Rainbow

As long as I remember
We've marched across this land
Oh, oh...
Reached for a new horizon
Pulled by the killing hand
Oh, oh...

All fed up with lies
The time has come
To break these chains and fly

Here we stand, bound forever more
We're out of this world, until the end
Here we are, mighty, glorious
At the end of the rainbow
With gold in our hands

We know the treasure lies
Beyond the pouring rain
Oh, oh...
Our quest will last forever
For you it's all the same
Oh, oh...

No one can deny
Our future's set
To reach above the sky

Here we stand, bound forever more
We're out of this world, until the end
Here we are, mighty, glorious
At the end of the rainbow
With gold in our hands

Let's fly away through the rain
Fly high, to ease the burning pain
Oh, the colours fading out
The light is shining in the night
It's up to you, it's worth the fight
Search before the colours fade

Here we stand, bound forever more
We're out of this world, until the end
Here we are, mighty, glorious
At the end of the rainbow
With gold in our hands
* * *

Ser humano é uma coisa muito complicada. Sei que não estou dizendo novidade alguma, mas fazer o que se meus pensamentos andam girando numa órbita que tem esse manjadíssimo fato como eixo central? Eu até poderia dizer que ser humano é complicado, a menos que você se contente em ser um sujeito comum, sem maiores aspirações intelectuais ou artísticas, do tipo que trabalha, assiste futebol, come, dorme, e pouco mais - mas acho que nem mesmo sendo um desses dá para escapar da complicação homérica inerente à condição humana. A mim, pode parecer que quem se contenta com isso tem uma vida simples (simples demais para o meu gosto...), mas na realidade é provável que mesmo esses se vejam às voltas com seus próprios problemas, que para eles também podem parecer bem complicados. That's it.

Para não endoidar no meio disso tudo, acredito que a atitude que temos perante nós mesmos é de fundamental importância. Essa atitude, pelo menos para mim, está sintetizada na resposta que a criatura dá a si própria quando se pergunta: "Vem cá, por que é que você está enfrentando tudo isso? Por que se dá a todo esse trabalho?" E, chamem-me de ingênuo se quiserem, não dou a mínima: para mim é preciso acreditar que o bem ainda é possível, que a beleza é real, que podemos ser gentis e honestos uns com os outros, que é preciso, sim, ter princípios e tentar agir de acordo com eles - tentar, eu disse, pois somos todos falhos e limitados. É fácil não acreditar em nada, dizer que vivemos num mundo podre, que ninguém presta, que nada vale a pena, tornar-se cínico e amargo: é fácil, facílimo, é a coisa mais fácil do mundo, porque, se você se convence de que é assim, tem a desculpa perfeita para ficar destilando seu azedume e não mover uma palha para fazer algo de bom por si mesmo, pelos outros ou pelo planeta. E ainda passa por inteligente aos olhos de muitos!... Não que isso faça diferença para alguém, mas, de mim, esses tipos só receberão desprezo.

Conseguindo ou não chegar ao fim do arco-íris, independentemente disso é preciso segui-lo, é preciso levantar a cabeça, fazer o que pudermos para encorajar nossos companheiros que estão desanimando - e encorajar o outro sempre renova também nossas próprias forças - e ir em frente. Muitos vão ficar pelo caminho, e, se optarem por virar cínicos azedos, nada mais poderemos fazer por eles. Se há ou não ouro ao final do caminho, talvez nunca venhamos a saber, mas, se pensarmos bem, viver seguindo um arco-íris não vale mais que todo o ouro do mundo? Alcançar ou não o objetivo final é uma coisa incerta, como quase tudo nesta vida, mas, mesmo que não o alcancemos, só o fato de termos tentado honestamente e com o coração, já será o bastante para que na hora da morte possamos concluir que não vivemos inutilmente
.

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Leonardo e o "Lixo"

"Há cem anos, você teria de escalar uma montanha na Índia para aprender a meditar; hoje você pode fazer um curso pela Associação Cristã de Moços, copiar informações pela internet ou escolher entre centenas de livros na livraria mais próxima. Ao mesmo tempo, o excesso de informações contribui para o cinismo perverso, a fragmentação e o sentimento de desamparo. Temos mais possibilidades, mais liberdade, mais opções que quaisquer outros que viveram em nosso planeta. Mas também temos de nos haver com mais detritos, mais mediocridade, mais lixo do que jamais existiu." (Michael J. Gelb)

A citação acima é do livro Aprenda a pensar com Leonardo da Vinci, que, apesar de um certo ranço de auto-ajuda, merece uma leitura, tanto para os que já são fãs do maior gênio do Renascimento quanto para aqueles que ainda não sabem muito sobre ele e estão à procura de um ponto de partida - e que bom se tomarem o livro de Gelb como ponto de partida, ao invés de algum delírio danbrowniano qualquer. Aprenda a pensar... inclui uma breve biografia de Leonardo e, partindo dessa fonte de inspiração, guia o leitor através de pensamentos e exercícios mediante os quais Gelb propõe a quebra de certos hábitos mentais limitadores que a maioria das pessoas desenvolve sem perceber ao longo da vida. São coisas, no fundo, simples, como treinar os sentidos para reconhecer e apreciar a beleza em vez de passar batido por ela, ou dar liberdade para o nosso pensamento criativo funcionar, sem amarrá-lo com preconceitos ou idéias prontas. Todas as dicas são valiosas, mas o que disparou o meu "gatilho" desta vez foi essa citação, que reli hoje, copiada numa velha agenda na época em que li o livro. A questão que propus a mim mesmo foi: será que, a exemplo de certos produtos químicos, também a informação pode ser remédio ou veneno, dependendo da dose?

Diziam os filósofos do mundo greco-romano que a moderação em todas as coisas é a chave de tudo, ou, o que quer dizer o mesmo, que todos os extremos são viciosos. O que observo no dia-a-dia é que com a informação não é diferente.

Lidar com idéias - ressalvando que informação não é idéia, embora seja o ponto de partida mais comum para tê-las - é essencial para que o cérebro humano torne-se e permaneça ágil, pronto e capaz, e não só nos campos diretamente relacionados às tais idéias. Gente acostumada durante muito tempo exclusivamente a atividades braçais costuma demonstrar uma indigência mental que chega a causar espanto. Já lidei com pessoas que, confrontadas com as perguntas mais simples possíveis ("Sua data de nascimento, por favor?"), simplesmente abrem a boca e te olham com os olhos vidrados, como se você tivesse pedido para explicarem a teoria da relatividade de Einstein. Outras pessoas, que trabalham nas mesmas atividades e durante o mesmo tempo que as primeiras, mostram-se espertas e desenvoltas. A diferença? Essas pessoas, às vezes com menos escolaridade que aquelas outras, não deixam que o trabalho braçal que lhes dá o pão seja tudo em suas vidas: têm o hábito de ler jornais, ouvir rádio, informar-se de outras formas, e de conversar com seus colegas de trabalho e familiares sobre a informação assim obtida, debater, desenvolver idéias, formar opiniões. Isso mantém os neurônios fortes e alertas, prontos para qualquer situação que os solicite. Informação é bom.

Também já vi adolescentes e jovens adultos que, tendo recebido a melhor educação formal possível, com acesso a todas as facilidades do mundo moderno, conectados à internet, muitos deles já tendo viajado por vários países, parecem andar sempre com aquele ar vagamente entediado de cachorro bassê, mergulhados numa apatia profunda, num tipo todo especial de alienação que não permite o surgimento de uma fagulha de interesse ou entusiasmo por algum assunto ou atividade, qualquer que seja. Bombardeados dia e noite por milhões de mensagens de todos os tipos imagináveis, e sem preparo intelectual para separar o joio do trigo, esses jovens (e, sejamos sinceros, também outros não tão jovens) acabam jogando a toalha, preferindo fechar-se na concha de um mundo onde nada tem importância, nada vale a pena, e a vida resume-se a uma grande perda de tempo. Quem costuma agradecer por isso são traficantes de drogas e outros tipos que encontram maneiras de lucrar em cima de pessoas que buscam algum sentido para suas vidas, ainda que das maneiras mais estúpidas imagináveis. Hum... Informação é bom?

Informação é bom, dependendo do que se faça com ela. E o que cada pessoa irá fazer com a informação que recebe, depende das ferramentas que possua para tanto. Quando é bem assimilada, submetida a uma análise crítica, relacionada com o que já sabemos sobre o assunto - e sobre outros assuntos - e somada ao nosso repertório mental, a informação transforma-se em conhecimento, e nos enriquece, robustece, torna mais lúcidos, inteligentes e capazes de compreender o universo. Informação é como alimento. Corretamente processada (digerida?), passa a fazer parte do nosso todo. Porém, informação em excesso e/ou de má qualidade não pode ser assimilada como deveria, e, além de não nos trazer proveito, ainda pode nos fazer passar mal...

Quando escrevi acima que o processo de assimilação da informação requer que ela seja correlacionada com o que sabemos não só sobre o mesmo assunto, mas também sobre outros assuntos, não foi só para encompridar a frase. A meu ver, interdisciplinaridade, por mais que seja uma palavra comprida e deselegante, é também essencial, e essa é uma razão a mais para ser fã de Leonardo. Claro que pouquíssimos de nós teriam condições de se igualar a ele, que era pintor, escultor, arquiteto, inventor, geólogo, matemático, naturalista, filósofo, músico e cozinheiro de mão cheia, mas o importante aqui é ver as maravilhas de que nos tornamos capazes quando nos deixamos invadir pelo desejo de saber e de realizar, por um deslumbramento infantil e uma curiosidade sem limites perante o mundo e tudo o que nele existe, e derrubar esse pensamento rasteiro que desmembra o conhecimento humano em áreas incomunicáveis entre si e acredita que cada pessoa só deveria aprender o que vai "usar". Esse é um dos mais graves dentre os hábitos mentais limitadores.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Amor e genéricos

Estamos mergulhados num mundo onde as coisas chegaram a um ponto, em que muitas vezes as pessoas ficam com medo diante da possibilidade concreta de que um "relacionamento" (por sinal, odeio essa palavra: parece coisa de artigo de revista Cláudia) se transforme em amor. Eu entendo amor como o que acontece quando duas pessoas se dão as mãos após terem deixado cair todas as máscaras e armaduras e, mesmo assim, continuam gostando de olhar nos olhos uma da outra, sentindo-se bem lado a lado e achando tentadora a idéia de terem um único futuro em vez de dois futuros distintos - tudo isso de forma sincera, inteira, sem "e se" nem "talvez". O problema é que a mídia plantou em muitas cabeças a idéia de que uma relação de amor só é boa se tudo for perfeito, um interminável e maravilhoso mar de rosas - e, é claro, isso não existe na vida real. Por conta disso, a maioria simplesmente desiste e "termina" quando se depara com o primeiro obstáculo.

Vamos reconhecer: é bem mais fácil ficar nesse mundinho fútil dos "relacionamentos" do que amar de verdade, porque o amor, embora traga recompensas que nenhuma outra coisa na vida humana pode proporcionar, não oferece essas recompensas de graça - aliás, nada que valha a pena é de graça, isso é uma lei tão velha quanto o mundo: exige esforço e alguns sacrifícios, coisas que cada vez menos pessoas estão dispostas a fazer. Sempre vai ser mais fácil entrar num novo "relacionamento" a cada poucos meses, pular fora na primeira dificuldade e partir para o próximo da fila. Claro, viver desse jeito causa vazio e angústia, mas para que se preocupar com isso quando o mundo moderno oferece tantos paliativos para disfarçá-los? É só se encharcar de álcool ou de qualquer outra droga, afundar no trabalho como um condenado, dedicar-se ao sexo desvinculado de sentimento, descontar a frustração nas compras, "malhar" sem parar... Há muletas para todo tipo de aleijado.