quarta-feira, abril 30, 2008

Maidens of War (tradução livre)


Pai, conta-me o que Te perturba
Como Tuas preocupações inquietam Teu filho
Eu vi os olhos dele, ouvi suas palavras
Eu percebi a angústia solene do herói.

Confia em mim, eu sou leal a Ti
Mas eu não posso matar
Teu filho, Teu sangue.

Matando, lutando pela vitória
Matando, enfrentando o inimigo
Matando, lutando, em agonia
Matando, morrendo, pela glória

Donzelas da guerra
Filhas dos deuses
Adeus - Adeus!
Donzelas da guerra

Assassino, Tu mataste Tua própria carne
Por que negas o amor com dor e morte?
Tua lança destruiu a gloriosa espada
Partida para sempre em aço sem nome.

Matando, lutando pela vitória
Matando, enfrentando o inimigo
Matando, lutando, em agonia
Matando, morrendo, pela glória

Donzelas da guerra
Filhas dos deuses
Adeus - Adeus!
Donzelas da guerra

Por quê, por quê, por que cometer tão cruel assassínio?
Por quê, por que, por quê? Estou aprisionada pelo fogo sagrado.

Donzelas da guerra
Filhas dos deuses
Adeus - Adeus!
Donzelas da guerra

terça-feira, abril 22, 2008

A Ignorância ao Alcance de Todos

Escreveu Oscar Wilde que "todo crime é vulgar, e toda vulgaridade é criminosa". É verdade que a frase está no livro O Retrato de Dorian Gray, e, se não me falha a memória, é dita por um certo lorde Henry, que vem a ser um dos personagens mais insuportáveis da literatura universal, pois parece devotar todo o seu tempo (o que não é inverossímil, considerando o completo ócio em que viviam os ingleses da classe alta naqueles dias) a elaborar frases cínicas com que entreter e escandalizar os amigos. E eu, por temperamento, tenho sempre vontade de esganar pessoas cínicas... Mas, no meio de tanta bobagem pseudo-espirituosa, o tal lorde diz, em todo o livro, umas duas ou três frases muito boas, e essa é uma delas.

Fale a verdade: você também conhece (todo mundo conhece) pessoas que, mal pegam o jornal, vão direto à página policial para ver quem matou quem e se deleitar comentando as circunstâncias escabrosas dos crimes. Claro, pode haver quem tenha um interesse científico pelos aspectos psicológicos da coisa, mas não creio que a porcentagem de pessoas com vocação para psiquiatra forense na população em geral seja suficientemente grande para explicar essa multidão de ávidos leitores de página policial - que, não raro, pouca coisa mais lêem. Parece bem mais provável que isso seja uma pista sobre a natureza da vulgaridade, sobre a qual Wilde teorizou.

Outro autor, cujo nome não lembro agora, dizia que "as grandes inteligências comentam idéias, as inteligências medianas comentam acontecimentos, os ignorantes comentam a vida alheia". É um fato da vida que a cabeça do ser humano precisa se ocupar de alguma coisa. Quem não tem acesso (seja por percalços da vida ou por própria culpa) às artes e às ciências, e portanto não conhece o tesouro de beleza e conhecimento que a humanidade acumulou ao longo de sua história - e que hoje está aí para usufruirmos, sem esquecer nosso dever de o aumentarmos para as gerações futuras - só pode mesmo deter-se em detalhes mesquinhos, no nível que sua compreensão alcança, e é para esse tipo de pessoa que adquire uma importância desesperadora saber se o vizinho do outro lado da rua está ou não enganando a mulher, ou quem matou quem na cidade durante o fim de semana. Perguntem-me se Einstein, Leonardo da Vinci ou Tolstoi saberiam dar alguma informação sobre a vida pessoal de seus vizinhos!... Eles simplesmente tinham coisas muito melhores em que pensar.

Talvez essa civilização tecnicista tenha a sua parcela de culpa, por criar na cabeça das pessoas "normais" uma tamanha desconfiança de qualquer coisa que não tenha finalidade prática. Um conhecido meu declara de boca cheia que não "perde tempo" lendo romances, que poesia é uma estupidez porque o cara "pode escrever qualquer merda que todo mundo vai achar lindo", que "não tem saco" para olhar pintura ou fotografia, e que até música ele só ouve quando está no carro. Ou seja, esse cidadão absorveu com perfeição a ideologia moderna que classifica arte como coisa inútil. Alguém pode se surpreender de que uma anta dessas esteja sempre interessadíssima em saber detalhes sórdidos da vida de vizinhos e conhecidos, ou que adore ler notícias de crimes? Sobra sempre um vácuo na nossa vida onde não conseguimos enchê-la com trabalho ou sono, e esse vácuo, de uma forma ou de outra, vai ser preenchido. Quem não cultiva seu espírito, fatalmente acabará tendo-o transformado em aterro sanitário.

quarta-feira, abril 09, 2008

Vivo

Posso pensar numa infinidade de coisas melhores para se fazer numa bela e amena manhã de quarta-feira quando se está de férias (uau!), mas, como era necessário, lá fui eu para um representante autorizado da Vivo, a fim de providenciar a troca do meu velho aparelho. Por mim, continuaria com ele, que sempre me serviu muito bem ao longo de anos, só que, como o "progresso" não pára, a tecnologia TDMA deixou de funcionar este mês; então, querendo ou não, eu teria que adotar um celular mais "muderno". Algumas semanas atrás recebi uma ligação da Vivo prometendo enviar alguém para fazer a troca na minha casa num prazo de sete dias úteis, mas, como ninguém apareceu, tive que me mexer para não acabar ficando sem o serviço.

Chegando ao local, meu primeiro pensamento foi que devia ter deixado a preguiça de lado e acordado bem mais cedo: naquele momento passava um pouco das oito horas e já havia diante da porta da loja (que só abriria às nove) uma longa fila de pessoas movidas pela minha mesma necessidade. Tomei lugar no fim da fila e coloquei nos ouvidos os fones do meu discman, que tivera a boa idéia de trazer comigo, juntamente com um bom livro. Tinha escolhido um CD de MP3 já pensando nessa situação: mais de 120 músicas de boas bandas de hard rock e heavy metal. Gosto de muitos tipos de música - rock, new age, MPB, música clássica, alguma coisa de blues... - mas, para longas esperas em filas, prefiro ouvir sons pesados, porque é melhor para isolar tudo o que venha de fora dos fones. Change to random mode and press play... (Stratovarius, Forever Free, 6:00) Enquanto o excelente metal melódico da banda finlandesa começava a se derramar dos fones, percorri a fila com os olhos e avaliei que ficaria ali algumas horas, já que cada pessoa, ao ser atendida, precisava escolher um novo aparelho, ter seu bônus verificado, e, conforme o caso, negociar a forma de pagamento, além do procedimento de transferência da linha, o que, tudo junto, deveria demorar cerca de uma hora por cabeça. Ao contrário do senso comum, que seria ter pena de mim mesmo e dos outros clientes, fiquei com pena dos funcionários, pois sei, por uma longa experiência, que só há uma coisa pior que esperar horas numa fila: estar sentado atrás de um balcão, atendendo as pessoas que esperaram horas numa fila.

(Dio, Sacred Heart, 6:20) Depois de aproximadamente uma hora na fila, por fim cheguei perto do terminal onde um funcionário distribuía as senhas, de acordo com o serviço que o cliente necessitasse. Ou seja, era uma hora de espera apenas para tirar a senha e poder realmente começar a espera que contava. Observei distraidamente uma senhora gesticulando enfaticamente e movendo os lábios com energia, enquanto o funcionário assumia aquela expressão de paciência martirizada que bem conheço. Em pensamento, dei os parabéns a mim mesmo por ter trazido o discman: sentia-me contentíssimo de não poder ouvir uma palavra do que estava sendo dito.

O fato é que, ao me ver em situações semelhantes, como costumava acontecer nos bancos há poucos anos (antes de os abençoados terminais de auto-atendimento praticamente eliminarem a necessidade de se entrar nas agências), sempre preferi aproveitar o tempo para algo de construtivo, como ler, por exemplo. Enquanto isso, a quase totalidade das pessoas à minha frente e atrás de mim usavam esse tempo reclamando azedamente umas com as outras e xingando todo mundo que lhes ocorresse xingar, desde o governo até os funcionários nos guichês. Suponho que experimentassem com isso alguma espécie de satisfação deturpada que nunca serei capaz de entender. (Edguy, Catch of the Century, 4:03) Pergunto-me, e desafio qualquer pessoa que me leia a dar uma resposta razoável: ficar se irritando e jogando bílis no próprio sangue tem o poder de fazer uma fila andar mais depressa? Então, para que desperdiçar energia com algo que terá o único efeito de tornar sua própria existência um pouco mais miserável?

A mesma coisa, com as alterações adequadas a cada situação, pode ser aplicada a um grande número de áreas da nossa vida diária, e acho surpreendente que a vasta maioria das pessoas nunca se dêem conta disso. O stress existe, é uma realidade e por vezes não temos como fugir dele - mas por que não nos contentamos com o stress que a vida se encarrega de nos impor, e ainda fazemos questão de nos estressar voluntariamente quando isso é desnecessário e inútil?

quarta-feira, abril 02, 2008

As Quatro Estações

Eu não poderia apostar minha cabeça na exatidão da data, mas acho que foi por volta do final de 1989 que o Legião Urbana, uma das bandas mais importantes da história do rock nacional, lançou o que, em minha modesta opinião, é o melhor disco de sua carreira: As Quatro Estações. Quem conhece a trajetória da banda sabe que seu vocalista e mentor, Renato Russo, tivera seu período punk/revoltado, que gerou, em discos anteriores, algumas músicas que valiam por um soco na boca do estômago de certos setores da sociedade e por um grito de alerta contra uma série de absurdos. Já em As Quatro Estações, Russo dava a impressão de estar mais aquietado e introspectivo, ainda preocupado com o mundo, é claro, mas preferindo focar a maneira como o indivíduo se relaciona com ele.

Disse que creio que As Quatro Estações saiu no final de 1989 porque lembro com toda a clareza possível que esse disco teve um papel fundamental na minha vida durante os dois anos seguintes, quando cursei as duas últimas séries do segundo grau (na época, ainda não se falava em "ensino médio"). Tinha 16 e 17 anos, às voltas com todas as penas, sonhos e desafios da adolescência, e começando a ter a percepção clara de que o fato de me sentir tão diferente de todo mundo não era apenas mais um desses complexos adolescentes que ficam para trás assim que o organismo dá um jeito de compensar os excessos hormonais, mas algo com que eu teria de lidar, da melhor maneira que pudesse, pela vida afora.

Ouvir o Legião Urbana, e principalmente as músicas de As Quatro Estações, me acalmava e trazia um certo alívio, pois fazia com que meu mundo parecesse encontrar o seu eixo, e fazer sentido, mesmo que de forma diferente do mundo onde viviam meus colegas. O vozeirão de bronze de Renato Russo, embalado pelo instrumental simplíssimo mas agradável da banda, falava de coisas que eu entendia, e que seria capaz de jurar ser o único em todo o planeta a entender. Falava das coisas que eram importantes para mim, das coisas em que eu acreditava, das coisas que, ao mesmo tempo em que me afligiam, traziam uma inexplicável satisfação, porque, se eu as sentia, era porque era humano, estava vivo e estava me tornando um homem - não mais um menino.

Foi nessa época que tentei montar uma banda de rock (nem preciso dizer que o Legião comparecia com uma boa porcentagem do nosso repertório à base de covers), também foi quando me apaixonei pela segunda vez na vida e aprendi que o sentimento vem com um sabor diferente quando é por uma pessoa diferente. Hoje me parece inadmissível que mesmo um rapazinho de 16 anos se apaixone por uma garota sobre a qual não sabe coisa alguma, exceto que tem um rostinho encantador, mas adolescência é adolescência... É preciso dar um desconto.

Uma das músicas mais interessantes de As Quatro Estações era Monte Castelo (uma das manias de Russo era batizar algumas músicas com títulos que aparentemente não tinham qualquer ligação com o conteúdo da letra, ou que, mais provavelmente, deviam ter uma ligação que somente ele sabia qual era). Eis aqui a letra:

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece...

O amor é o fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer...

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder...

É um estar-se preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor
É um ter com quem nos mata lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor...

Estou acordado todos dormem,
todos dormem, todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...

Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...

Como eu lia de tudo, vorazmente, desde a infância, identifiquei sem dificuldade os recortes do soneto mais famoso de Luís de Camões (1524?-1580) e da Primeira Carta aos Coríntios escrita por São Paulo, diferentemente de meus colegas, que, ao verem a professora de Literatura, certa manhã, escrever no quadro aqueles versos, exclamaram, muito surpresos: "Tem uma música assim, 'sora!" Anos mais tarde, na faculdade, outros colegas tinham absoluta certeza de que a parte sobre a língua dos homens e dos anjos era de Camões - por causa da música, sem dúvida. Mas deixa pra lá.

Para efeitos de comparação, aqui vai um trecho da Carta aos Coríntios:

Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno, o amor não inveja, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz incovenientemente, não procura seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais há de acabar. Tempo haverá em que as profecias desaparecerão, as línguas cessarão e a ciência será abolida, e só o amor permanecerá. Porque em parte conhecemos, e em parte profetizamos. Quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito será aniquilado. Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, apreciava como menino. Quando me tornei homem, dei de mão as coisas que eram de menino. Porque agora vemos como num espelho, obscuramente, e então veremos face a face; agora conheço em parte, e então conhecerei como sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor. Porém, dos três, o maior é o amor.

Em muitas Bíblias, encontraremos a palavra caridade no lugar de amor. É porque o texto original era em grego, e a língua grega tinha quatro palavras para designar amor, sendo que, no momento, só me lembro de três. Eros é o amor sentimental e sexual, o amor de amantes; filos é a amizade; ágape (vertido para o latim, cáritas) é o amor de que fala o apóstolo, o amor desinteressado que deseja o bem de todos. Algo, como se vê, infinitamente maior do que a idéia que se tem de "caridade" hoje, que consiste basicamente em dar esmola aos necessitados. Mas creio que, em sua essência, o amor, quando é verdadeiro, tem basicamente as mesmas características, seja qual for o tipo.

Até onde pude ver, a única parte em toda a letra que não é de Camões nem de São Paulo é "Estou acordado todos dormem". Uau! Por que esse pequeno verso, jogado no meio de tanta coisa linda, teria mexido tanto comigo? Tanto quanto o outro sobre "solitário andar por entre a gente", que eu igualmente entendia, ao menos entendia o suficiente para aplicá-lo a mim, aos meus assuntos, aos meus dramas.

Por estranho que pareça, o amor não requer necessariamente um ser que ama e outro que é amado, e não estou falando apenas de amar sem ser correspondido. Ao menos algumas pessoas sabem o que é sentir o amor dentro de si sem ter absolutamente ninguém a quem dirigi-lo, e, no entanto, senti-lo, de forma inconfundível. É como se ele estivesse à espera de algo, mas, de vez em quando, essa espera o deixasse impaciente e ele reclamasse nossa atenção, mesmo não havendo ninguém a quem dedicá-lo. E, como em tantas outras coisas, nisso as pessoas são diferentes. Em algumas, o amor dentro delas é como um pequeno regato que corre de forma constante e não incomoda muito - o que não significa que não possa, no momento oportuno, transformar-se num rio Amazonas, mas normalmente ele não é assim. Em outras, esse amor expectante é um oceano, às vezes plácido, às vezes turbilhonante, mas sempre um oceano, algo tão imenso que não se entende como cabe dentro da gente.

Acho que, na realidade, o amor nasce com a gente, acho que o levamos conosco a vida inteira, como um botão que não desabrocha até o momento em que é tocado pela mão certa. E pode acontecer de levarmos o botão para o túmulo conosco, ainda fechado... Porém, uma vez aberta, essa flor nunca, jamais murcha, ainda que sejamos obrigados a carregá-la na travessia do deserto. Sua beleza nos inspira, seu perfume nos dá energia, e seus espinhos por vezes nos machucam... Mas não há outra maneira de poder dizer que realmente vivemos.