sábado, dezembro 25, 2010

Promessas

Atualizar meus blogs com alguma regularidade sempre foi um problema para mim, e, como acontece com muitos problemas, bastou que eu me mexesse e o enfrentasse de forma séria para a solução acontecer, ao menos com um deles: para minha satisfação, vejo que o Notas de Literatura tem sido atualizado todo mês, sem falhas, desde fevereiro. A verdade é que assunto para ele nunca faltou, já que estou sempre lendo alguma coisa: era só questão de me determinar a encarar a tarefa de escrever. Já com este Inner Wilderness, disciplina não basta. Para que um texto capaz de se encaixar aqui nasça, é preciso que haja um "estalo", seja causado por algo que aconteça e me deixe pensando, ou por pensamentos que comecem a rebater dentro da minha cabeça mesmo sem serem impulsionados por qualquer acontecimento específico. E, para completar, todo texto destes nasce com um "estalo", mas não é todo "estalo" que eu tenho que irá gerar um texto. Eis por que este blog, por sua própria natureza, geralmente será atualizado com menos frequência que o outro.

E o que aconteceu desta vez foi a inesperada repercussão causada por meu último post, datando do já distante mês de junho. Como podem ver, recebi três comentários aqui no blog, o que, para os meus padrões, é bastante, e, além disso, outras tantas pessoas o comentaram diretamente comigo. Todas mulheres, se isso for de alguma relevância para o caso. E todas concordaram com alguns pontos, discordaram de outros, sendo que a crítica mais recorrente foi a de que eu havia generalizado demais. E o fiz, reconheço. Em primeiro lugar, porque, ainda que seja crível que existam mulheres que não sejam do modo como as pintei, só posso tomar como base a minha própria experiência - e, embora eu seja o primeiro a desejar que essa experiência tivesse mostrado outra coisa, o fato é que ela mostrou exatamente o que escrevi, e não foi uma nem duas vezes, mas várias. Em segundo, quem escreve sob influência da emoção (qualquer emoção) por vezes não consegue ser tão cordato assim.

De qualquer forma, relendo o texto, percebi uma coisa. Nele, atribuo às mulheres o costume de fazer promessas e descumpri-las, mas, pensando a respeito agora, parece-me que isso não é exclusividade delas: ocorre apenas que, por ser eu um homem, na maioria das situações que já vivi e nas quais ouvi promessas, estas vieram de mulheres. Não quer dizer, necessariamente, que elas cumpram suas promessas menos que os homens - ou, melhor dizendo, não quer dizer que os homens cumpram suas promessas mais do que as mulheres. Talvez a questão não seja de gênero, e sim de cultura.

Tive uma educação bastante tradicional (podem chamá-la de antiquada, se quiserem). Não vou me alongar falando de todos os valores que aprendi e que hoje são considerados pela maioria "papo de velho" ou "coisa de gente chata"; digo apenas que, se eu um dia tiver filhos, espero ser capaz de passar essas coisas a eles e fazê-los entender por que agir como achamos certo é mais importante do que fazer o que o resto do mundo chama de normal. E uma coisa que minha mãe uma vez me disse, numa das nossas conversas de antes de dormir, era que, se eu não tivesse certeza de que iria cumprir, não devia prometer, e que, se já tivesse prometido, devia cumprir - mesmo que tivesse que "suar sangue" para isso. Não me lembro o que foi que trouxe o assunto à baila, mas ela usou essas exatas palavras, e eu nunca as esqueci. Mas sei que nem todo mundo teve pais que ensinassem essa lição, e que muitos que os tiveram, não a assimilaram.

Não que isso sirva para desculpar algo, mas o ser humano é um produto do meio, e não é tradição entre nós, brasileiros, dar grande importância a essas coisas. É comum ouvir ou ler depoimentos de estrangeiros que se viram em situações complicadas por terem levado muito ao pé da letra o que era dito por conterrâneos nossos, e demoraram algum tempo para compreender que agora estavam num país onde é preciso marcar um encontro para o meio-dia se quiserem que ele aconteça até as duas da tarde, e onde sim quer dizer talvez, e talvez quer dizer não. Até acredito que a maioria das pessoas não tenha qualquer intenção maldosa ao não cumprir suas promessas: acontece simplesmente que as esquecem logo após fazê-las, tão pouca importância tem a palavra empenhada no sistema de valores em que foram educadas. Um sujeito com quem eu trocava cartas (sim, sou desse tempo) certa vez expressou numa delas certas opiniões um tanto preconceituosas que me surpreenderam, e, quando as questionei, ele saiu-se com esta: "Cara, você não devia levar tão a sério o que eu escrevo..." Bolas! Então, por que não pensava melhor antes de escrever? Se o cara era assim escrevendo, como não seria falando, sem nada que registrasse suas palavras?

Como já escrevi em outro lugar, o grande vício do brasileiro (não creio que seja do brasileiro, mas é o exemplo que tenho diante dos olhos) é pensar que os norte-americanos, alemães, ingleses e demais habitantes do assim chamado Primeiro Mundo é que têm o dever de serem íntegros e confiáveis; a ele, brasileiro, só compete ser cordial, alegre, hospitaleiro, caloroso e festivo. Enquanto não deixar de existir na nossa cabeça essa distinção entre as qualidades que se espera de um cidadão de país desenvolvido e as que se espera de um terceiromundista, é muito difícil que o Brasil deixe de ser visto pelo resto do mundo como pouco mais que o país do Carnaval e dono de uma natureza exuberante que não fizemos nada para merecer e da qual, por falar nisso, nem conseguimos cuidar sozinhos. Em outros países, se você promete algo a alguém e não cumpre, fica marcado de tal forma que terá sorte se aquela pessoa algum dia voltar a confiar em você seja para o que for; aqui, uma coisa desse tipo passa batido, quase sem ser notada - a não ser por criaturas anômalas como eu. E um país nada mais é do que a soma das pessoas que vivem nele. Sei que isso é "coisa de gente chata" e "papo de velho", mas será por mera coincidência que esses outros países são respeitados e admirados mundo afora, enquanto nós do Brasil temos que nos contentar com a fama de simpáticos? Que cada um conclua o que quiser.