domingo, janeiro 18, 2009

My Inner Wilderness

Wilderness é daquelas palavras difíceis de traduzir. De acordo com o babylon.com, que oferece um dicionário inglês/português online, as possíveis definições são: "imensidão, vastidão; deserto; floresta; espaço aberto; território descampado; mistura, confusão; jardim para plantas selvagens". Enfim, wilderness pode ser praticamente qualquer coisa que dê idéia de um lugar selvagem e pouco habituado à presença humana. Quando escolhi o nome Inner Wilderness para este meu blog, isso já faz um ano e alguns meses, era precisamente essa a idéia que eu queria que o título expressasse: a minha "selva interior", aquela imensidão misteriosa, emaranhada e possivelmente perigosa, onde é sempre um risco penetrar, até mesmo para mim - e cujo acesso eu não tenho o costume de franquear a qualquer pessoa. Porém, algumas coisas trazidas de lá poderiam me estimular a escrever - e eis a razão de ser deste blog.

O fato é que meu mundo interior sempre foi de extrema importância para mim. Sou o que alguns costumam chamar de uma pessoa "subjetiva". Muitas vezes, palavras que são muito usadas deixam de ser associadas, pelo falante comum, às suas raízes etimológicas: quantas vezes dizemos que estamos "desorientados", sem nos darmos conta de que essa palavra remonta à época das grandes navegações e era usada para dizer que o navegante não sabia mais para que lado ficava o leste, ou seja, o oriente? A mesma coisa acontece com "objetivo" e "subjetivo". Uma pessoa é objetiva quando, para ela, o mais importante são os objetos, ou seja, o mundo exterior, a realidade concreta; é subjetiva quando dá mais importância ao sujeito, quer dizer, ao ser humano - começando por si própria. Percebo que, mesmo quando olho para o mundo "lá fora", faço-o a partir de dentro - o que vejo, vejo por meio dessa lente. Para a pessoa objetiva, o mundo é o que é e pronto; para os subjetivos, como eu, a realidade material é menos importante do que aquilo que pensamos sobre ela. Para mim, e para os que são como eu, o mundo não está aí simplesmente para ser visto, e sim para ser visto, conhecido e interpretado.

É claro que a vida não costuma ser fácil para gente assim, que teve desde sempre o pesado encargo de empurrar a humanidade para a frente, geralmente sem contar com o estímulo ou sequer com a compreensão dos demais. Ah, você sempre imaginou que a História tivesse sido feita por homens práticos? Ledo engano. Para o homem prático do século XVI, não fazia a menor diferença que a Terra orbitasse em torno do sol ou que fosse o contrário, porque isso não afetava o seu dia-a-dia. Foi preciso um pensador visionário (visionário: o antônimo de prático) como Copérnico para dar início a uma investigação sobre esse assunto. Quando Benjamin Franklin promoveu uma demonstração pública dos poderes da eletricidade nos Estados Unidos do século XVIII, uma senhora aproximou-se dele ao fim do experimento e disse que aquilo tudo era muito interessante, mas para que servia? De fato, na época, ninguém - nem sequer o próprio Franklin - tinha idéia de para que a energia elétrica poderia servir (!). Respondeu o Da Vinci americano: "Minha senhora, para que serve um bebê?" O que mais admiro nessa resposta não é a presença de espírito de Franklin, mas a paciência que demonstrou ao responder com tamanha cortesia a uma pergunta tão estúpida. Talvez eu seja intolerante, mas me irrito com gente que não consegue entender o valor do conhecimento para além da aplicação prática imediata que ele possa ter. Se dependêssemos de gente assim, ainda estaríamos sentados no chão de uma caverna, batendo pedaços de sílex. E também não teríamos os afrescos de Michelangelo na Capela Sistina, as melodias de Mozart, nem o Guerra e Paz de Tolstoi - coisas que, de um ponto de vista puramente prático, não servem para nada...

Mas podem baixar suas armas, que eu não tenho aqui a intenção de me comparar a Franklin, Michelangelo, Mozart ou Tolstoi, nem a mais ninguém, por falar nisso.

Talvez eu subestime as pessoas em geral, mas tenho a impressão de que a maioria jamais se pergunta nada. Levantam-se sempre à mesma hora, fazem sempre o mesmo trabalho durante o dia todo, voltam para casa, engolem seu arroz com feijão (ou seu filé com champignons - não é uma questão de classe social ou econômica), assistem à novela e vão dormir, para no dia seguinte começar tudo de novo. Friso que o problema não é a rotina em si, pois todo mundo precisa ganhar seu dinheiro de alguma forma, e trabalho normalmente implica em horários fixos e atividades repetitivas. Tudo bem com isso. O problema (ou o que, a meu ver, é um problema) começa quando a vida é só isso. A maioria das pessoas vive no piloto automático. É quando ligamos o computador para redigir um texto (não porque alguém no trabalho ou na faculdade nos pediu, mas meramente porque sentimos o impulso de escrever), ou quando pegamos um violão ou uma flauta para tentar tirar algumas harmonias, ou quando encaramos uma tela vazia com um pincel na mão e uma ruga de concentração na testa, ou quando desafiamos a sensação do ridículo para subir num palco e tentar dizer algumas falas, é então que estamos nos afirmando como seres humanos, e não como algum tipo de criatura orgânica e, mesmo assim, robótica. Para isso as artes, todas elas, foram criadas, e eu iria ainda mais longe afirmando que o anseio, a inquietação básica que move o artista (ou o aspirante a tal) não é essencialmente diferente do que move o verdadeiro cientista. Criar ou investigar, inventar ou descobrir, tudo são formas que cada pessoa tocada por essa inquietação encontra para tentar deixar sua marca no mundo e, talvez mais importante que isso, para regar a sua "selva interior".

"A literatura é uma forma de protestar contra a morte." (Ariano Suassuna)