sábado, setembro 10, 2011

Ancestrais



Peço a meus deuses ou à soma do tempo
que meus dias mereçam o olvido,
que meu nome seja Ninguém como o de Ulisses,
mas que algum verso perdure
na noite propícia à memória
ou nas manhãs dos homens.

Jorge Luis Borges


Há sensações e percepções que às vezes são despertadas em momentos que não esperamos, por situações que não poderíamos prever. Neste momento, o fato de não ser uma criatura isolada no tempo me atingiu com toda a força. Para (tentar) ser mais claro, isso quer dizer o fato de que sou o produto de um processo que começou séculos, milênios ou milhões de anos antes do meu nascimento, conforme eu queira me ater aos aspectos históricos, raciais ou biológicos da coisa. Pois eu, como de resto qualquer ser humano, sou o resultado da combinação de todos esses fatores. Eu, e quem estiver me lendo neste momento, somos o que saiu de uma panela onde todos esses ingredientes foram postos a cozinhar juntos durante eras. Será que valeu a pena?...

Só para registro, o que causou esse acesso de loucura foi o CD Lepta (título que, vejam só, quer dizer história, no sentido de conto, narrativa), da banda russa Arkona. Mal entendo uma ou outra palavra do que está sendo cantado, mas mesmo assim a música tem o poder de despertar coisas em mim que me perturbam com uma sensação de "ancestralidade". Não parece vir ao caso o fato de eu não ter, que eu saiba, nem o mais remoto traço de ascendência eslava.

Há tanta coisa que faz de nós o que somos - e é um tanto assustador pensar que talvez nem dez por cento disso tenha a ver com nossa vontade, com nossas escolhas, com qualquer coisa que possamos controlar. O homem é o sujeito da História, dizem, e talvez seja, mas "homem", aí, não quer dizer os homens, e sim o Homem - a Humanidade, para a qual pouca diferença fazem os pensamentos que volta e meia entram em turbilhão dentro da cabeça de um indivíduo.

Ou podem fazer diferença, de uma forma que ninguém imaginaria.

Em 1999, quando eu tinha 25 anos, escrevi uma tentativa de poema épico sobre a conquista da Bretanha pelos romanos - pelo que me lembro, historicamente correto, literariamente patético. Meu eu-lírico era um simples legionário dentre os milhares que participaram da primeira expedição (fracassada) e mais tarde da segunda, bem-sucedida. O poema era dividido, acho, em quatro partes: a primeira tinha um tom ufanista, de estamos-indo-conquistar-uma-nova-terra; a segunda era mais realista e dolorosa, pois falava de como os sonhos romanos de conquista foram atropelados pela realidade a bordo das carruagens de guerra bretãs e de como os pretensos conquistadores foram forçados a se retirar; a terceira tratava da segunda expedição, agora mais cautelosa e inteligentemente planejada, e de seu sucesso; e a quarta parte era a que realmente me interessa aqui. Nela, o legionário perguntava-se: tudo bem, vencemos - e agora? E, no meio de muitos versos tão canhestros que espero que ninguém jamais os leia, ele dizia o que hoje me parece ser a única frase aproveitável de todo o poema: "Sendo senhor, sinto-me tão pequeno!" Pois tinha chegado a compreender que era apenas o elo atual de uma corrente que vinha de um passado longínquo e desconhecido, e estendia-se até um futuro impossível de imaginar. "Uma pedra numa longa muralha."

Aflitivo? Depende de como se olhe. A imensidade do tempo pode nos levar a sentir que qualquer coisa que realizemos será minúscula e transitória - e será mesmo. Porém, minúscula e transitória não quer dizer insignificante. O passado longínquo e o futuro inimaginável não pertenceriam um ao outro se não houvesse aquele pequeno elo, ali, talvez despercebido, mas indispensável. A muralha estaria incompleta sem aquela única pedra.

Goethe escreveu que o que herdamos de nossos ancestrais precisa ser merecido antes que passe verdadeiramente a ser nosso. Olhando para a outra extremidade do mistério, eu acrescentaria que o que deixaremos para nossos descendentes precisa ser algo que valha a pena, para que nossa estada neste planeta tenha tido um sentido. O que me leva a reformular o que pensei há pouco sobre aquilo que nos tornamos ter pouco a ver com nossa vontade. No fundo, temos escolha, embora não tanta quanto gostaríamos: não podemos escolher as coisas que nos acontecem, mas podemos escolher de que modo vamos enfrentá-las. E isso, no fim das contas, pode ser a escolha mais importante - e a que dirá que tipo de elo nos tornaremos naquela corrente infinita.

quinta-feira, agosto 18, 2011

For the Sake of Revenge

Escrevi um comentário (não gosto de chamar de crítica) sobre o DVD For the Sake of Revenge em 2007, e desde então ele esteve esquecido no meu computador. Quando o redescobri, decidi que valia a pena colocar aqui no IW, já que tenho gostado bastante da experiência de escrever sobre música e o blog foi pouco atualizado este ano. A versão que apresento aqui teve pouca coisa mudada, exceto pela exclusão de um parágrafo inicial que tratava do boom do heavy metal na Finlândia, ideia que reaproveitei no meu comentário sobre o Korpiklaani.

Pessoalmente, considero o Sonata Arctica um dos expoentes mais interessantes da safra finlandesa que conheci nos últimos anos. Críticos metidos a sofisticados torcem o nariz, rotulando-o como um "clone de Stratovarius" - sem contar que bandas de metal melódico como um todo são geralmente consideradas caça legal pela maior parte dessa raça. O que me cumpre dizer é que quem deixar de conferir o som dos caras por causa de preconceitos desse tipo estará se privando de algo maravilhoso.

Este DVD é uma bela opção para os fãs que desejarem conferir ao vivo as músicas dos álbuns da banda, e ao mesmo tempo uma ótima introdução para quem ainda não os conhece. Ele traz um concerto gravado no Japão em 2006, com repertório muito bem escolhido, som e imagem impecáveis, e, claro, um desempenho irrepreensível do quinteto finlandês. Inclui também uma utilíssima discografia, fichas pessoais dos integrantes (por alguma razão misteriosa, essa parte é intitulada Biography) e um documentário gravado durante a turnê japonesa, ao qual, para ser sincero, não consegui assistir: sei que há quem ache interessante, mas eu sofro de uma incurável tendência a bocejar incontrolavelmente quando tento assistir a documentários de rock. Se pago por um DVD de música, o que espero dele é música: quero ver e ouvir a banda tocando. Não tenho qualquer curiosidade de ver os músicos desembarcando no aeroporto, ou aquelas brincadeirinhas "divertidas" no ônibus e no backstage, ou ainda pessoas que provavelmente fazem parte da equipe que trabalha com a banda, mas que não tenho a menor idéia de quem sejam, falando em finlandês, com legendas em inglês, sendo que a maior parte do que dizem não parece fazer o menor sentido.

E já que música é o que interessa, é de música que vamos falar. O Sonata Arctica é uma daquelas bandas que conquistam logo à primeira ouvida quem aprecia a fusão de beleza melódica, peso e técnica. Todos os músicos são excelentes, ainda que o cantor Tony Kakko monopolize a atenção da platéia. Em tempos também tecladista da banda - função hoje exercida pelo ótimo Henrik Klingenberg, de modo que Kakko fica livre para se concentrar apenas nos microfones -, o frontman é também o principal compositor, responsável por canções emocionantes como Kingdom For a Heart, 8th Commandment, Replica, Victoria’s Secret, todas presentes no DVD. Porém, o verdadeiro hino dos fãs da banda vem quase no início do setlist, para ser mais exato é a terceira música: falo da indescritivelmente maravilhosa FullMoon, que aqui é apresentada em sua versão mais matadora, superior não só à gravação original (do primeiro álbum da banda, Ecliptica), mas também à outra versão ao vivo já existente, encontrada no álbum Songs of Silence - Live in Tokyo. Aqui, além de o duelo entre Klingenberg e o guitarrista Jani Liimatainen estar mais inspirado que nunca, música ganhou um final emocionante, aparentemente um excerto da música White Pearl, Black Oceans, que é do álbum Reckoning Night. Infelizmente não conheço esse álbum, que não consegui adquirir porque, dizem, está fora de catálogo (alô, Laser Company). Victoria’s Secret, essa nem era uma de minhas músicas preferidas nos álbuns do Sonata, mas, depois de conferir em DVD a tremenda energia que a banda coloca nela ao vivo, até a minha maneira de ouvi-la mudou. E que dizer então da vertiginosa 8th Commandment? Nessa música, a beleza do trabalho instrumental não desmereceria qualquer composição clássica, mas a isso ainda se mesclam várias mudanças de tempo que provocam aquele frio no estômago impossível de descrever, mas que todo fã de metal bem tocado conhece - aquela maravilhosa e quase incontrolável vontade de "agitar". O show passa ainda por outras músicas maravilhosas como Blinded No More, Black Sheep, San Sebastian, Shamandalie, Sing in Silence (talvez a única da qual gosto mais na versão de estúdio), fechando com a empolgante The Cage... Quer dizer, fechando de certa forma, pois no final dela a banda resolveu encaixar Vodka, uma espécie de brincadeira com uma melodia folclórica israelense, na qual os músicos tentam tocar cada vez mais rápido. Perfeitamente dispensável, a meu ver. Mas o importante é: For the Sake of Revenge é um DVD magnífico e amplamente recomendável a fãs e curiosos. Como atrativo extra, ainda vem um CD contendo uma "versão compacta" do show: o áudio de 15 das 25 músicas que aparecem no DVD.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Korpiklaani

A história do heavy metal, a exemplo da história da humanidade, parece dividir-se naturalmente em eras, só que, no caso do gênero musical, é claro, elas se sucedem com muito mais rapidez; mas, como na História em geral, cada período tende a ser marcado pelo predomínio de uma determinada nação. O heavy metal nasceu na Inglaterra, que por longo tempo foi a Meca do gênero. Mais tarde, aproximadamente dos anos 80 aos 90, a Alemanha assumiu o posto. E hoje, no início deste novo milênio, parece ter chegado a vez da Finlândia, que, num tempo surpreendentemente curto, começou a revelar ao mundo boas surpresas uma atrás da outra - e refiro-me tanto a bandas novas quanto a outras que, já com bons anos de estrada em seu país, só recentemente conseguiram o merecido reconhecimento além-fronteiras. O fenômeno cobre uma vasta diversidade de estilos: metal melódico tradicional (Stratovarius, Sonata Arctica), folk/viking metal (Turisas), fantasy metal com influências diversas (Battlelore, que teve a grande sacada de usar no metal épico a alternância de vocais masculinos guturais com femininos etéreos, até então uma característica de bandas de doom/death metal dos anos 90), e, claro, o hoje mundialmente famoso Nightwish, que apostou numa fórmula ousada ao misturar metal melódico e elementos progressivos com vocal de ópera, e acabou caindo no gosto popular ao ponto de chegar ao megaestrelato. Não obstante, em minha opinião a coroa de banda mais original e curiosa da nova safra finlandesa vai para o Korpiklaani. Conheci graças a algumas faixas encontradas na internet, e, tradicionalista que sou, em vez de "baixar" os álbuns completos, acabei comprando três deles: Tervaskanto, Korven Kuningas e Karkelo.

No próprio nome, que significa algo como "Clã da Floresta", nas capas dos discos e no visual cultivado pelos músicos, a banda já entrega seu objetivo, que é o de fazer um som que tenha tudo a ver com o folclore de seu país. A maioria das letras é em finlandês, e, embora dessa língua eu só conheça umas 20 palavras e nada da gramática, de modo que não tenho como ver a diferença, li em algum lugar que são coalhadas de palavras e expressões típicas de dialetos locais ou de uma modalidade arcaica da língua - não é "finlandês para executivos". De qua
lquer forma, quem se liga muito na parte lírica, como eu também, não precisa se preocupar, pois os encartes dos CDs trazem tudo traduzido para o inglês.

O som é aquilo que a imprensa musical definiria como "folk metal", e por vezes com mais ênfase no "folk" que no "metal", o que talvez não agrade a alguns headbangers mais radicais, mas sem dúvida mexe com quem aprecia música de qualidade, independentemente de rótulos. Peso e velocidade não faltam (de forma alguma!), mas a música do Korpiklaani tem durante a maior parte do tempo um astral muito alegre e até festivo, coisa que não costuma ser associada ao heavy metal. A cabeça pensante da banda parece ser o vocalista e guitarrista Jonne, cuja voz rouca e sonora é sem dúvida uma de suas marcas registradas; completam a formação Hittavainen (viola, violino, rabeca, flauta), Cane (guitarras), Matson (bateria e percussão), Jarkko (baixo) e Juho (acordeon e guitarra acústica). E, palavra de honra, a emoção que os caras colocam em cada nota que tocam é coisa que ouvi em poucas bandas até hoje! Como disse, o sentimento predominante é o de alegria, é o tipo de banda que dá para imaginar tocando numa taverna para um público ruidoso e animado: músicas como Wooden Pints, Tervaskanto, Erämaan Ärjyt, Juodaan Viinaa, Vodka, Bring us Pints of Beer e inúmeras outras são exemplos magníficos. Mas, como até a alegria cansa se for permanente e imutável, há as exceções, como a bela e melancólica Gods on Fire (uma das poucas com letra em inglês), que aborda a questão ecológica de maneira um tanto pessimista, concluindo que "o que está feito, está feito"...

Uma coisa que eu, pessoalmente, precisei relevar para me tornar um fã da banda foi a característica que aparece nos próprios títulos de várias das músicas que acabo de citar: praticamente um terço das letras são apologias ao álcool, que os músicos parecem considerar uma parte essencial da alegria festiva que pontificam - e eu, que tomo no máximo uma taça de vinho tinto em ocasiões muito especiais, sendo que isso nunca me impediu de me divertir, e já observei de perto (dentro da família, para ser mais exato) os efeitos devastadores que o álcool pode ter sobre a vida e a dignidade de uma pessoa, rejeito essa parte. Porém, boa música é boa música: desafio qualquer um a ouvir Vodka, que abre o álbum Karkelo, sem sair literalmente pulando pelo quarto - a música é maravilhosa, independente de eu nunca ter provado vodka na vida, nem pretender, e discordar totalmente do refrão "drinking is good for you". E há outros momentos em que é possível curtir igualmente música e letra, como no belo achado que é Paljon on Koskessa Kiviä ('As Corredeiras têm Muitas Rochas'), do Korven Kuningas, poema inspirado onde as corredeiras de um rio são uma metáfora para a vida, e as rochas, para as dificuldades e sofrimentos que enfrentamos nela. É interessante registrar, talvez como um paralelo, que o título do disco onde ela aparece quer dizer 'Rei do Rio'. Enfim, recomendo o Korpiklaani a qualquer pessoa que goste de boa música e não tenha preconceitos: é uma banda da qual tanto quem não curte som pesado quanto os "metaleiros" radicais devem passar longe. Pena que não pareça muito provável que os caras nos deem o prazer de vê-los tocar por estas paragens, pois algumas faixas que circulam na internet, gravadas no Wacken Open Air, na Alemanha, demonstram que mandam muitíssimo bem ao vivo, transformando qualquer plateia numa grande taverna... Bem, quem sabe? Surpresas às vezes acontecem. Kippis!


quarta-feira, janeiro 26, 2011

The Clans Will Rise Again


Sou fã de carteirinha do Grave Digger desde 1998, quando tive meu primeiro contato com a banda através de Knights of the Cross, então seu mais recente álbum. E não poderia ter tido uma introdução melhor, pois esse disco é um exemplo perfeito das características que eu viria a admirar tanto nessa banda alemã: pesquisa cuidadosa por trás dos temas históricos ou míticos (pois vamos concordar, já tem muita banda de "RPG metal" por aí fazendo letra tosca sobre dragão e espada) e um power metal de alta classe, cujo diferencial é a combinação mortífera de doses cavalares de peso e melodia. Normalmente se considera que, quando uma banda puxa muito num dos dois quesitos, tende a ficar devendo no outro; o Grave Digger é a prova viva de que não precisa ser assim, desde que se tenha o cacife necessário para juntar um peso que lembra uma coluna inteira de tanques de guerra com uma beleza melódica de tirar o fôlego.

É verdade, para quem até então sempre havia admirado cantores de voz clara e límpida, o vocal rasgadíssimo de Chris Boltendahl exigiu um pouco de tempo para que me acostumasse, mas logo constatei ser impossível não me empolgar com músicas como Baphomet, Monks of War, Knights of the Cross (faixa-título daquele álbum) e Lionheart - na verdade todas as faixas são matadoras, mas eu tinha que citar algumas. E nos anos seguintes, ao mesmo tempo em que ia adquirindo um a um os trabalhos anteriores, também comprava os álbuns novos logo que eram lançados, e o GD quase sempre manteve o nível, brindando-nos com um álbum magnífico atrás do outro: Excalibur (1999), The Grave Digger (2001), Rheingold (2003 - tive a felicidade de vê-los ao vivo na turnê desse disco), The Last Supper (2004), Liberty or Death (2006) e Ballads of a Hangman (2008), para citar apenas os discos de estúdio, pois houve ainda os ao vivo Tunes of Wacken (2001) e 25 to Live, gravado em São Paulo, em comemoração aos 25 anos da banda, em 2005. Por fim, no ano passado, Boltendahl e sua gangue trouxeram à luz o que é até o momento seu último "filho": este The Clans Will Rise Again.

E é na hora em que vou comentar o disco propriamente dito que vejo que não é por ser fã que se pode deixar de ver certos fatos quando eles se apresentam... Primeiramente, o conceito escolhido para o álbum já vem com um sabor de deja vu - para ser mais direto: de coisa requentada. No que parece uma tentativa de tirar um pouco mais de proveito de um trabalho antigo e bem-sucedido (o tipo de atitude que eu não esperaria do Grave Digger, diga-se de passagem), eles voltaram ao tema dos clãs escoceses e sua luta de séculos pela independência contra os ingleses, o que já haviam abordado em Tunes of War (1996), disco que deu início à melhor e mais respeitada fase da carreira da banda e trouxe pelo menos duas músicas que se tornariam obrigatórias em todos os shows: Rebellion (The Clans are Marching) e The Dark of the Sun. Com tantos temas históricos interessantes ainda esperando ser abordados, não dá para entender o motivo do "bis", a menos que seja mesmo vontade de viver das glórias do passado. Aliás, eu cheguei a mandar um e-mail para o Chris sugerindo a história de Vlad III da Valáquia, o vulgo príncipe Drácula, como tema para um disco - tem drama, batalhas grandiosas, carnificina, e a associação do personagem com o famoso vampiro permitiria um delicioso crossover entre dois climas que o GD sabe explorar como ninguém: o épico medieval e o soturno/sobrenatural (usaram fartamente este último no disco The Grave Digger, que homenageia Edgar Allan Poe). Ele respondeu no mesmo dia, mas com uma única frase: "Thanx for your idea and kind words. My best - Chris". Não o culpo, afinal fã dando ideia é o que não deve faltar... Mas continuo achando que seria melhor buscar temas inéditos do que apenas tentar sugar um pouco mais dos que já foram abordados.

Que ninguém me entenda mal: The Clans Will Rise Again não é um disco ruim - longe disso. As interpretações viscerais de Chris e o desempenho irretocável de seus colegas no manuseio de seus respectivos instrumentos fazem dele um trabalho que satisfará plenamente os ouvidos de qualquer apreciador de heavy metal bem tocado. O problema é a sensação de já termos "visto esse filme antes", mais o fato de que falta, aqui, aquele sólido embasamento histórico que era em grande parte o que tornava o Tunes of War tão interessante, ao menos para mim: cada faixa daquele álbum, além de seu mérito musical, narrava um capítulo da história da Escócia, com um rigor admirável que não tirava em nada a espontaneidade do que estava sendo tocado: Scotland United falava sobre o início das rebeliões no ano 1018, The Dark of the Sun era sobre o eclipse solar que serviu de sinal de encorajamento aos escoceses durante uma das mais duras batalhas que travaram, William Wallace (Braveheart) homenageava o mais famoso herói nacional da Escócia, The Battle of Flodden era redigida como se fosse a carta de um soldado escocês para sua esposa, narrando essa grande batalha em 1513 e a morte heroica do rei James IV. Coisas da mesma magnitude ficam faltando em The Clans Will Rise Again, onde quase todas as letras parecem hinos conclamando os escoceses à guerra, e esse papo de "lutar até a morte pela liberdade", "morrer pela Escócia", "reino de aço e sangue" e coisas que tais, embora cause seus arrepios quando colocado num contexto convincente (que era o que acontecia em Tunes of War) acaba soando tedioso e artificial quando é quase a única coisa de que se fala durante um disco inteiro (que é o que acontece em The Clans Will Rise Again). Não foi por acaso que a faixa que mais me agradou foi Highland Farewell, que, temperada por uma interessante melodia céltica em gaita de foles, presta uma homenagem nostálgica às Terras Altas escocesas: "Can’t you hear it? Can’t you see? / Magic islands, haunted hills / Where I live and dwell / Wherever I may wander, wherever I rove / My sunset and my dawn / Highland farewell". Bonito, indeed.

Em suma, este é um disco que os fãs do GD certamente vão comprar e considerar que valeu o investimento - pois, mesmo não estando entre as melhores coisas que eles já fizeram, ainda é Grave Digger - e que não-fãs apreciadores de metal de qualidade podem ouvir e gostar, sem dar muita atenção às letras, mas definitivamente não é o álbum que eu recomendaria a um neófito interessado em ser apresentado a essa grande banda de power metal.