Upon a darkened night
the flame of love was burning in my breast
And by a lantern bright
I fled my house while all in quiet rest.
Shrouded by the night
and by the secret star I quickly fled
The veil concealed my eyes
while all within lay quiet as the dead.
Chorus:
Oh night thou was my guide
oh night more loving than the rising sun
Oh night that joined the lover to the beloved one
transforming each of them into the other.
Upon that misty night
in secrecy, beyond such mortal sign
Without a guide or light
than that which burned so deeply in my heart.
That fire t’was led me on
and shone more bright than the midday sun.
To where she waited still
it was a place where no one else could come.
Chorus
Within my pounding heart
which kept itself entirely for her
She fell into her sleep
beneath the cedars all my love I gave.
From o’er the fortress walls
the wind would brush her hair against her brow.
And with its smoothest hand
caressed my every sense it would allow.
Chorus
I lost myself to her
and laid my face upon my lover’s breast
And care and grief grew dim
as in the morning’s mist became the light.
There they dimmed amongst the lilies fair
there they dimmed amongst the lilies fair
there they dimmed amongst the lilies fair.
* * *
Lembro bem de quando e como conheci Loreena McKennitt. Foi no quente e sufocante início de 1996. Eu tinha 21 anos e, pela primeira vez, estava num emprego que durou tempo suficiente para que eu precisasse passar um verão sozinho na cidade, enquanto o resto da família ia à praia. Era um emprego não muito diferente do que tenho agora - igualmente burocrático e desagradável. De férias da faculdade, adquiri o hábito de fazer um, como dizem, "happy hour": ao largar o trabalho no final da tarde, antes de ir para casa, passava pelo shopping da cidade para um café ou um sorvete e para desanuviar um pouco a cabeça. Depois, dispensava o ônibus e ia para casa a pé.
Ocasionalmente, visitava a loja de CDs do shopping, a BeBop (será que ainda existe em algum lugar?). O vendedor me conhecia e sabia que, embora eu fosse muito seletivo, não tinha o costume de economizar quando alguma coisa me agradava, de modo que não fazia objeção a que eu ficasse um tempo ouvindo alguns CDs. Foi dessa forma que, por puro acaso (ou assim me pareceu), certa tarde pus no player um disco intitulado The Mask and Mirror, de uma (para mim) totalmente desconhecida cantora chamada Loreena McKennitt.
Sua música me impressionou de saída. Não podia ser facilmente definida, nem mesmo sob o rótulo "new age/world music", que naqueles dias aceitava praticamente qualquer coisa. A voz de Loreena é ao mesmo tempo suave e poderosa, altamente disciplinada, e os músicos que a acompanham, de altíssimo nível, manuseiam diversos instrumentos exóticos, de sonoridade inusitada. As músicas têm um quê de celta, mas não se limitam a isso - um campo já tão exaustivamente explorado por centenas de artistas -, unindo ainda elementos melódicos árabes, ibéricos, orientais, além de outras coisas que até hoje não fui capaz de identificar. Um som único, envolvente, rico, vigoroso, sensual, impossível de descrever. Só mesmo ouvindo para saber. E as letras não ficam atrás, pois, além de ser uma poetisa de muito mérito, Loreena é também uma pesquisadora de fôlego, capaz de adaptar e utilizar o melhor da poesia universal, e não só de língua inglesa. Em The Mask and Mirror, por exemplo, a música Prospero’s Speech é uma adaptação de um trecho da peça A Tempestade, de Shakespeare, enquanto a própria canção de que quero falar, The Dark Night of the Soul, nada mais é que uma versão belíssima para o poema Noche Oscura ('Noite Escura'), de São João da Cruz.
A primeira coisa que fiz foi comprar o CD e levá-lo para casa. Quase todas as noites daquele longo verão, daí em diante, cumpri o ritual de apagar a luz, me deitar, pôr os fones e ouvir mais uma vez esse disco fantástico, que me falava, através da música e da poesia, de coisas belas, às quais valia a pena almejar. As recordações desagradáveis do dia de trabalho, das tarefas rotineiras, das pessoas mal educadas, dos colegas que só sabiam discutir aos berros sobre futebol, tudo isso se dissolvia sem que eu precisasse fazer nada, a não ser me entregar à beleza da música. Quando o disco terminava, eu estava suspirando fundo, me sentindo em perfeita paz, e pronto para uma noite de sono revigorante.
Também tratei de saber quem tinha sido esse São João da Cruz, e isso não foi tão fácil, pois, na época, internet era algo de que os mortais comuns apenas estavam começando a ouvir falar. A biblioteca da Unisinos quebrou meu galho. São João da Cruz foi um monge carmelita espanhol, nascido em Fontiveros, na região de Ávila, em 1542, e falecido em Ubeda em 1591, no dia 14 de dezembro, data na qual sua memória é agora celebrada pela Igreja. Em 1726 foi canonizado pelo papa Bento XIII, e, em 1952, eleito patrono dos poetas espanhóis.
João da Cruz é reverenciado não apenas por católicos - foi um grande místico e um poeta de enorme talento, coisas pelas quais pode ser admirado por gente de qualquer religião, ou até por quem não acredita em coisa alguma. Sempre foi comum que religiosos se dedicassem à poesia com temas sacros, mas ele se destacou, não apenas por fazê-lo com uma força artística muito acima da média, como também por seus poemas se prestarem a mais de uma leitura. Seus versos parecem por vezes impregnados de uma carga de erotismo que pode soar perturbadora, quando se recorda que quem os escreveu era um religioso. A metáfora de Noche Oscura - a alma humana, em seu desejo de encontrar Deus, sendo comparada a uma jovem que anseia por estar com seu amado - não é inédita na poesia cristã, e já não o era no tempo em que viveu o nosso poeta, mas duvido que alguém mais tenha tratado o tema de uma forma tão doce e pungente quanto ele. E a adaptação de Loreena não deixou que se perdesse nada da beleza e da emotividade da poesia original.
Meus leitores que tiverem percorrido com atenção a transcrição que fiz da letra de The Dark Night of the Soul certamente terão notado que ela aparece aqui como tendo sido escrita do ponto de vista de um homem. No original não era assim: João da Cruz escreveu Noche Oscura com um eu-lírico feminino, já que a alma era figurada como uma moça que escapa durante a noite para encontrar seu amado. Loreena McKennitt, claro, manteve a coisa assim. Quem fez essa alteração, trocando todos os pronomes masculinos - he, his - pelos correspondentes femininos - she, her - foi este que vos escreve, naquele verão há quase 12 anos. Copiei a letra, com essas adaptações, e a preguei na parede do meu quarto. Não havia perigo de ter que dar explicações, pois ninguém da minha família sabia inglês suficiente para ler aquilo.
Essa mexida no poema foi uma maneira que encontrei de me apropriar um pouco dele. E quis fazer isso porque essa canção foi minha primeira lição sobre o fato de que o amor pode existir sem ter um objeto. Enquanto estava deitado no escuro, ouvindo The Dark Night of the Soul, eu podia senti-lo em mim, com uma nitidez e uma certeza que não deixavam dúvidas. Simplesmente não havia ninguém a quem oferecer esse amor, nem sequer alguém a quem dirigi-lo - em 1996 eu estava sozinho fazia tempo, e não havia conhecido mais ninguém que me des-pertasse interesse -, mas o desejo de amar e de dar amor estava ali, não menos forte por ser indefinido. Um desejo tão intenso que era quase doloroso, de ter alguém com quem partilhar aquele momento, aquela canção, alguém a quem abraçar, mexer em seu cabelo, olhá-la nos olhos e sentir que fazíamos o mundo melhor, ao menos um para o outro. Um desejo impossível, mas isso é assim mesmo: não raro, as coisas que mais vale a pena desejar são precisamente aquelas que não se pode ter.
O poema fala sobre um desejo de entrega, de se abandonar ao ente amado, dar-se por inteiro a ele ou ela. João da Cruz não precisava preocupar-se com isso, já que estava falando da comunhão da alma humana com Deus, mas suponho que, por conta disso, minha adaptação soe estranha a muita gente. Nossa (nossa?...) cultura parece só considerar esse sentimento justificável para o sexo feminino, ou assim era antigamente - hoje em dia, nem mesmo para o sexo feminino: tanto homens quanto mulheres usam a palavra "amor" a torto e a direito, sem o menor critério, e geralmente, para evitar mal-entendidos, deve-se traduzir "amor" como significando simplesmente sexo mecânico, apenas para satisfação física, sem conexão alguma com coisas tão "bregas" quanto carinho, ternura, respeito ou importar-se um com o outro. De todo modo, parece que "não fica bem" a um homem ter o desejo de amar com essa intensidade, querer pertencer à amada, fazer-se com ela uma só pessoa, ansiar sinceramente por fazê-la feliz. É mais uma coisa, entre tantas, a fazer com que eu me pergunte de que mundo vim e o que estou fazendo neste.
5 comentários:
Será que realmente tem alguma importância saber de que mundo veio? Alteraria a sua peregrinação nessa terra que apenas lhe é natal mas que não compartilha espaço na sua alma?
Amor não é brega, os que amam é que o são. Mas não se engane, por baixo de toda a cafonice generalizada, existe a coragem de se permitir sentir. E isso não é para qualquer um: seja brega ou vanguardista.
Ugly.
Permiti-me devanear um pouco mais além do sentido do texto de se entregar ao amor, pois acredito que ele está em cada um de nós, como você mesmo escreveu, havendo ou não alguém a quem dedicá-lo. Pois se não é amor, por exemplo, esta paixão com a qual você mesmo se dedicou à apreciação de uma música, em meio a um quarto escuro ou à pesquisa de sua significância através do compositor original da poesia, o que seria isso?
O que seria, se não amor, essa forte inclinação a se sentir tocada fortemente por palavras, histórias e emoções transcritas em textos como esse, por exemplo?
Sou uma pessoa extremamente apaixonada. Pelo trabalho, pela família, pelos amigos, pelos mistérios desse mundo estranho a qual pertencemos, pela atração voluptuosa que a música e a literatura exerce sobre mim... Todas as formas de amar são válidas e valem a pena... Entretanto, o amor dedicado aos humanos sempre fere, decepciona, ilude. Digo isso porque é o que acontece também quando alguém dedica seu amor a mim.
Não sei se vc vai ler... Não acredito no acaso, acredito em sincronicidade...
Amo esta cantora... Ela mexe com a minha alma e me faz sentir sempre iluminada...
A música que menciona é simplesmente linda... Resolvi pesquisar comentarios sobre ela, pois sou bailarina e pretendo dançá-la...
Hj estou pronta para o amor, em todos os sentidos... E acho que sua fora de expressar essa canção,aqui, vai ajudar muito na minha dança...
Que bom que sei da existencia de Sao Joai da Cruz... Obrigada...
O amor sempre está conosco... Acredito que o "mistério da noite" faz a nossa alma se religar... E não importa a forma do encontro... O importante é o toque da alma... Existem várias formas... Assim não só o amor brota e acorda as pessoas, como desperta o desejo de se encontrar no outro... Que bom que existem várias formas de amar... Que bom que vou dançar... E agradeço pela oportunidade de encontrar vc aqui, no momento certo...
Fique com deus...
Sim, como pode ver, eu li... Fico sempre feliz ao saber que o que escrevi acrescentou algo a alguém, passou um conhecimento novo ou inspirou um ponto de vista diferente, e é particularmente agradável quando o "feedback" vem através de um texto já antigo, pois isso sugere que ele tem sua relevância capaz de resistir ao tempo. Agradeço por tudo o que escreveu e fico contente de saber que minhas frases vão inspirar seus passos na dança. Deus esteja com você também...
Assim como a "anônima" eu tive o prazer de dançar a Loree e realmente é algo mágico. Conheci ela no ensino médio e quando fiz dança árabe fiz uma coreografia de uma música dela (meio estranho, mas se disser que era dança do ventre as pessoas não entendem a arte). Quando a música tocava eu não estava mais no palco, mas em um... qualquer outro lugar.
Postar um comentário