domingo, fevereiro 08, 2009

Benjamin Button

"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.

Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.


Você vai para o colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?"

Charles Chaplin
* * *

Esse pensamento de Chaplin não inspirou o filme O Curioso Caso de Benjamin Button, que é baseado num conto de F. Scott Fitgzerald de 1921... Mas bem que poderia tê-lo inspirado. Em mim, a lembrança foi automática, e passei um pouco de trabalho com o site de busca para encontrá-lo de novo, justamente porque queria pô-lo aqui. No mais, este não vai ser um comentário filmográfico como alguns que já fiz no meu outro blog, o Notas de Literatura; é muito mais difícil dizer algo interessante sobre um filme como este do que sobre os que comentei lá, então será uma coisa meio surrealista: os sentimentos que ele me despertou irão direto para o teclado, sem passar pelo crivo da razão.

Benjamin (o nome é o do mais jovem dos doze filhos do patriarca bíblico Jacó, e, nos países de língua espanhola, significa "caçula"; coincidência?) é um garoto que nasce com uma característica estranha: recém-nascido, apresenta todos os sintomas de degenerescência física normalmente encontrados em pessoas muito idosas, e, à medida em que o tempo passa, vai rejuvenescendo. Cresce num asilo, e aprende desde cedo a conviver com o fato de que as pessoas morrem. "We're meant to lose the people we love. How else would we know how important they are to us?" Essa é uma das frases mais interessantes do filme. Não é uma lição fácil para ninguém aprender, e ainda menos para um homem que vê todos os seus amigos envelhecerem e morrerem enquanto ele próprio fica cada vez mais jovem. Benjamin faz amizade com Daisy, neta de uma das moradoras do asilo, os dois se entendem, suas mentes infantis fazendo contato por cima da aparência precocemente envelhecida dele - uma amizade que não é vista com muito bons olhos por outras pessoas, em especial pela avó de Daisy. Já adolescente (o que, no seu caso, significa que chegou ao início da velhice, ainda - ou já - com algum vigor físico), Benjamin vai trabalhar no mar. Corre o mundo como marinheiro, passa por experiências juvenis como a primeira paixão - que não é exatamente a primeira, já que Daisy nunca saiu de sua cabeça -, só que com a mente juvenil pilotando um corpo maduro. O barco onde trabalha é recrutado como unidade de apoio para a marinha dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, e Benjamin vê de perto outro tipo de morte, observando que, ao contrário do que acontecia no asilo onde cresceu, "ali a morte não parece uma coisa normal"... Quando finalmente volta para casa, reencontra Daisy, já adulta e seguindo a carreira de bailarina. Muitas coisas acontecem, mas os dois acabam se acertando e ficando juntos, durante os breves anos em que suas "cronologias" coincidem: Daisy amadureceu até certa idade, e Benjamin rejuvenesceu até a mesma. Quando se torna um jovem de seus vinte e poucos anos, ao passo que Daisy se aproxima da meia-idade, Benjamin decide partir, apesar de amá-la, porque, segundo diz, a filha que tiveram "precisa de um pai, e não de um amiguinho". Daí em diante, o componente fantástico da história atinge seu máximo grau de "fantasia", com conseqüências tão comoventes quanto inevitáveis. Para saber mais, vejam o filme - vale muito a pena.

Como em quase tudo na vida, no que toca a cinema eu também tenho momentos diferentes. Algumas pessoas gostam apenas de um ou de poucos tipos de filmes; eu não. Assim como existem músicas que são para relaxar e outras para injetar adrenalina, assim como alguns livros são para estimular a reflexão e outros meramente para empolgar com narrativas emocionantes (e, por que não?, alguns conseguem fazer as duas coisas), também há filmes que envolvem e comovem, e outros que só mesmo divertem. Nada errado com isso. E preciso confessar que fazia tempo que um filme não me comovia tanto quanto esse.

Não é a primeira vez que me pergunto como seriam os fatos comuns da vida, vistos pelos olhos de uma criatura incomum - quero dizer, ainda mais incomum do que eu e uma ou duas pessoas que conheço. Imagine-se como uma pessoa em cuja ampulheta a areia escorre para cima, cujo relógio gira da direita para a esquerda, e que por isso, querendo ou não, acaba por ter da vida um ponto de vista que as outras pessoas nunca poderão ter. Vendo coisas que estão ocultas dos outros (e, por vezes, querendo que estivessem ocultas também de você, mas essa decisão não é sua). Aprendendo o exato valor de momentos e palavras que de outra forma iriam embora com o vento, sem que lhes fosse dedicado um só pensamento. Ciente de que vai ter um fim, como todos os outros, mas, ao contrário desses outros, sem o conforto de ter entes queridos caminhando ao seu lado ao encontro desse fim, para tornar a perspectiva menos assustadora.

Cada pessoa que for assistir a O Curioso Caso de Benjamin Button sairá do cinema com pensamentos diferentes. Em mim, o pensamento foi o de que um filme assim nos oferece a valiosa oportunidade de pensar sobre o valor de certas coisas e pessoas em nossas vidas, sem antes precisar perdê-las. Momentos bons devem ser vividos com os olhos bem abertos e os sentidos bem alertas, em vez de apenas passarmos por eles como por um fato consumado. E as pessoas que amamos devem ouvir da nossa boca que as amamos, enquanto temos a chance de dizê-lo. Oportunidades perdidas raramente voltam, mesmo para quem vive de marcha-a-ré, como Benjamin Button.

2 comentários:

Aline Valek disse...

Desde que a natureza estabeleceu que a velhice seria algo que esperaria por nós lá no final, temos a degeneração gradativa como um fardo a ser cumprido. Talvez algo que não pensamos muito enquanto a juventude toma tanto de nós.
E é aí que essa história nos surpreende, nos causa imenso estranhamento. Tanto pela narrativa inversa, onde Daisy já velha, tenta se segurar nas últimas pontas de sua vida já gasta, através da lembrança que o amado deixou em um diário; quanto pela narrativa inversa, onde tentamos situar os sentimentos e pensamentos da criança ou do jovem por baixo da carcaça senil que todos vêem.
Benjamin, velho desde bebê. E a gente se acostuma com aquele velhinho simpático e inocente que iniciou sua vida do ponto final. E é quando ele cronologicamente envelhece e fisicamente rejuvenesce, que dá para perceber o quanto a infância é curta. Afinal, a diferença entre uma criança de sete anos e um adolescente é gritante, ao passo que há pouca diferença entre um velhinho de noventa anos que mal consegue se levantar de sua cadeira de rodas, e um velhinho de setenta anos que anda com dificuldades, de muleta. A angústia de vê-lo velho tanto tempo no filme me fez perceber o quanto somos agraciados com a juventude. Pois ela vem primeiro e é mais certo que desfrutemos dela inteiramente, assim como Benjamin passou por todas as fases da velhice - o que para nós é algo que não sabemos se irá acontecer. E se acontecer, talvez não dure tempo o suficiente para nos acostumar com isso como aconteceu com Benjamin.
Além da reversão do ciclo natural das coisas, muitas outras histórias ajudam a compor esse drama. Entre elas, as que mais me marcaram, além das histórias de Daisy, das histórias de alto-mar e das histórias do asilo, foram a história do relógio de trás pra frente que o relojoeiro construiu em memória dos rapazes que morreram na primeira guerra, e a história do senhor que foi atingido nove vezes por um raio. (nove ou sete? huahua)
A angústia de saber que Benjamin irá rejuvenescer até morrer na forma de um bebê inocente faz com que o final do filme que se aproxima aperte mais e mais os corações. E da mesma forma que nos angustia saber que não teremos nossos pais para sempre em virtude da velhice que os roubará de nós para a morte, angustia saber que aquela criança que o casal apaixonado concebeu por volta dos quarenta anos será privada do convívio do pai da mesma forma. Da mesma forma que somos fadados a algo para o qual existe a aposentadoria, o viagra, a dentadura e outras coisas de fim de carreira, Benjamin tinha consciência que também chegaria a hora em que não restaria nada além de fragilidade.
E lá estava uma criança senil, caduca, para nos lembrar que da mesma forma que começamos (dependendo da ajuda dos outros) terminaremos também.
A história é fantástica, e o link que você fez com esse texto do Chaplin merece igual destaque.
Sò acho que "Cavaleiro das Trevas" merecia mais indicações ao Oscar. =P

Grandes beijos!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Esse texto e o filme me lembra uma coisa que vc me disse numa conversa nossa, sobre como vc achava triste o pouco valor que a sociedade de hoje dá aos idosos e como a regra social é fingir q a morte ñ existe, e como os antigos, fossem romanos ou vikings, lidavam com isso melhor q nós. O filme consegue fazer até uma pessoa q nunca tinha pensado nisso se colocar no lugar de um velhinho, deixado de lado como uma coisa que ñ tem mais importancia, e na verdade tendo tanto pra contar e ensinar... Só isso já faz valer a pena assistir.