terça-feira, dezembro 11, 2007

Amando como homem


Numa recente noite de insônia, sem nada de especial a fazer, peguei na minha estante de livros o primeiro volume de As Brumas de Avalon e pus-me a reler alguns trechos meio a esmo. Faz alguns anos que li esse ambicioso romance em quatro volumes, que a autora, a americana Marion Zimmer Bradley, definiu como uma versão das lendas arturianas narrada do ponto de vista das mulheres. De fato, o livro tem um tom marcadamente feminino e, não raro, feminista. Não se pode negar que Bradley tinha um estilo hipnotizante, que tornava quase impossível não gostar de suas histórias, mas nesse, como em outros de seus livros, há detalhes que incomodam o leitor do sexo masculino. A autora põe muita ênfase no fato (que é fato: não tenho a mínima intenção de discuti-lo) de que existem sentimentos, vivências e idéias que as mulheres conhecem e que os homens jamais serão capazes de compreender - mas não parece lhe ocorrer em momento algum que talvez a recíproca também seja verdadeira.

Certa vez, num período em que estava desempregado, trabalhei em sistema free lancer para uma moça, advogada, que estudava história e sociologia por hobby e estava escrevendo um livro sobre "a condição feminina através dos tempos e suas repercussões no Direito contemporâneo". Meu trabalho consistia em ler trechos de diversos livros, fazer resumos, digitar e formatar o que ela escrevia, e assim por diante. Certa tarde em que se sentia particularmente cansada de sua rotina, que incluía o trabalho como advogada, dar aulas na faculdade, e ainda o livro, ela desabafou comigo que às vezes tinha vontade de "assumir seu papel de gênero" - o que, em bom português, quer dizer virar uma dondoca inútil. Olhei bem para ela e respondi que devia considerar-se com sorte de poder fazer isso, se um dia realmente quisesse, pois nós, homens, nem esse direito temos. Na hora, ela riu muito, mas tenho esperança de que mais tarde tenha refletido um pouco a respeito. O que quero dizer é isto: imagino que ser mulher não seja nada fácil, mas seria bom se fosse lembrado com mais freqüência que ser homem também não o é. Nós nunca vamos ter idéia do que é o martírio periódico de um ciclo menstrual, mas, da mesma forma, elas jamais serão capazes de imaginar o que é levar um chute no saco. Se ambos os lados simplesmente reconhecessem isso, metade das dificuldades no relacionamento entre os sexos estaria aplainada.

Acreditem, moças, pode ser revoltante viver numa sociedade que quer fazer com que vocês representem um papel de submissas, frágeis e dependentes - mas não é nada fácil viver nessa mesma sociedade que nos cobra que temos que ser fortes o tempo todo. Pior: a concepção de "força" aí envolvida é ridícula. Parece que demonstrar ternura a quem se gosta não é um comportamento que se admita naquilo que Luís Fernando Veríssimo denomina jocosamente de HQH ("homem que é homem"), parece que ser forte não é compatível com doçura ou generosidade, parece que o cara só será considerado "macho" pelos seus pares se for bronco e insensível. O adolescente que, numa daquelas rodas de pátio de escola, não se gabar da quantidade de garotas com quem "ficou", preferindo declarar que gosta de uma e só quer ela, será considerado, no mínimo, esquisito pelos colegas. Há até quem sustente que o natural no ser humano, ou ao menos nos homens, seria a poligamia, como acontece com a maioria das espécies na natureza. A explicação para a suposta tendência masculina para a poligamia e feminina para a monogamia seria então biológica: espermatozóides são baratos, já óvulos são caros, ou, melhor explicando, cada um dos sexos tem uma maneira diferente de garantir a perpetuação de seu patrimônio genético, que é o objetivo final da reprodução e, por conseguinte, de tudo o que direta ou indiretamente derivou dela, como essa coisa maravilhosa, terrível e totalmente sem sentido que nós, humanos, convencionamos chamar de amor. Para o macho, a maneira mais eficiente de passar adiante os seus genes seria fazendo sexo com o maior número possível de parceiras. Já a fêmea, que tem que arcar com todas as dificuldades da gestação e do cuidado com a prole, precisaria, por razões práticas, ser mais seletiva na escolha de parceiros. Porém, quem defende essa teoria esquece um detalhe fundamental: ao contrário dos outros animais, o ser humano tem livre arbítrio. Pode escolher agir assim ou assado, não precisa necessariamente ser um escravo dos instintos - embora também possa escolher ser isso, se quiser. O que eu queria aqui era apenas ressaltar como a combinação de elementos biológicos e culturais, encarados de uma maneira torta, criou na sociedade ocidental moderna uma idéia de "ser homem" que não satisfaz àqueles que, mesmo correndo o risco de serem tachados de ingênuos, ainda querem acreditar nos valores humanos essenciais.

A noção comumente aceita do que seria "masculinidade" é mais uma entre tantas pedras no caminho de quem, embora nascido com testículos, ousa ser romântico, sente a necessidade de entregar-se para valer quando gosta de alguém, ama sem meias medidas, não consegue gostar "um pouco", quer de verdade fazer a pessoa feliz, esforça-se por ser totalmente reto, claro, limpo e sincero, e só não se doa mais quando a moça não o permite. O amor parece ser um pouco como a política do Brasil: tanto num quanto na outra, parece que quem teima em agir com honestidade tem uma vida muito mais difícil do que quem opta pela pilantragem.

3 comentários:

Anônimo disse...

Sempre acreditei que, embora munidos de vontade própria, os humanos fossem fortemente influenciados pelo script fornecido pelos genes. Afinal, nosso organismo físico é dividido em dois tipos de células: as funcionais e as reprodutivas, sendo que aquelas só funcionam para que estas cumpram seu papel. Por isso envelhecemos. Por isso a atração sexual. Mas aconteceu algo no meio do caminho e isso se torna bem mais complicado... O amor do homem é diferente do da mulher, mesmo quando o homem é tendenciosamente romãntico. Um dia acreditei que homem não fosse capaz de se apaixonar, é claro que meu pensamento não é mais tão radical, mas ainda sou extremamente desconfiada... Quem dera encontrar para amar um homem que entendesse e manifestasse o amor como as mulheres!!!

Marcos* disse...

E quem dera encontrar uma mulher que soubesse dar valor a um homem assim, Valek!...

Anônimo disse...

Acredito na evolução dos instintos em direção aos sentimentos, logo, creio na humanização. Esta está imersa na cultura, mas é passível de reestruturação, ou seja, é perfeitamente possível aprender a amar!Essa idéia não é comum e julgamos o amor como caso fortuito...e quando aparece nem sempre sabemos recebê-lo. Marcos, é verdade que os homens não têm o direito de amar...ainda bem que surgiu o feminismo que, triunfando, em alguns casos, no inicio do sec.XXI, permitiu evidenciar o qto a sociedade cobra dos homens posturas doentias!
Abraço