quarta-feira, janeiro 09, 2008

Leonardo e o "Lixo"

"Há cem anos, você teria de escalar uma montanha na Índia para aprender a meditar; hoje você pode fazer um curso pela Associação Cristã de Moços, copiar informações pela internet ou escolher entre centenas de livros na livraria mais próxima. Ao mesmo tempo, o excesso de informações contribui para o cinismo perverso, a fragmentação e o sentimento de desamparo. Temos mais possibilidades, mais liberdade, mais opções que quaisquer outros que viveram em nosso planeta. Mas também temos de nos haver com mais detritos, mais mediocridade, mais lixo do que jamais existiu." (Michael J. Gelb)

A citação acima é do livro Aprenda a pensar com Leonardo da Vinci, que, apesar de um certo ranço de auto-ajuda, merece uma leitura, tanto para os que já são fãs do maior gênio do Renascimento quanto para aqueles que ainda não sabem muito sobre ele e estão à procura de um ponto de partida - e que bom se tomarem o livro de Gelb como ponto de partida, ao invés de algum delírio danbrowniano qualquer. Aprenda a pensar... inclui uma breve biografia de Leonardo e, partindo dessa fonte de inspiração, guia o leitor através de pensamentos e exercícios mediante os quais Gelb propõe a quebra de certos hábitos mentais limitadores que a maioria das pessoas desenvolve sem perceber ao longo da vida. São coisas, no fundo, simples, como treinar os sentidos para reconhecer e apreciar a beleza em vez de passar batido por ela, ou dar liberdade para o nosso pensamento criativo funcionar, sem amarrá-lo com preconceitos ou idéias prontas. Todas as dicas são valiosas, mas o que disparou o meu "gatilho" desta vez foi essa citação, que reli hoje, copiada numa velha agenda na época em que li o livro. A questão que propus a mim mesmo foi: será que, a exemplo de certos produtos químicos, também a informação pode ser remédio ou veneno, dependendo da dose?

Diziam os filósofos do mundo greco-romano que a moderação em todas as coisas é a chave de tudo, ou, o que quer dizer o mesmo, que todos os extremos são viciosos. O que observo no dia-a-dia é que com a informação não é diferente.

Lidar com idéias - ressalvando que informação não é idéia, embora seja o ponto de partida mais comum para tê-las - é essencial para que o cérebro humano torne-se e permaneça ágil, pronto e capaz, e não só nos campos diretamente relacionados às tais idéias. Gente acostumada durante muito tempo exclusivamente a atividades braçais costuma demonstrar uma indigência mental que chega a causar espanto. Já lidei com pessoas que, confrontadas com as perguntas mais simples possíveis ("Sua data de nascimento, por favor?"), simplesmente abrem a boca e te olham com os olhos vidrados, como se você tivesse pedido para explicarem a teoria da relatividade de Einstein. Outras pessoas, que trabalham nas mesmas atividades e durante o mesmo tempo que as primeiras, mostram-se espertas e desenvoltas. A diferença? Essas pessoas, às vezes com menos escolaridade que aquelas outras, não deixam que o trabalho braçal que lhes dá o pão seja tudo em suas vidas: têm o hábito de ler jornais, ouvir rádio, informar-se de outras formas, e de conversar com seus colegas de trabalho e familiares sobre a informação assim obtida, debater, desenvolver idéias, formar opiniões. Isso mantém os neurônios fortes e alertas, prontos para qualquer situação que os solicite. Informação é bom.

Também já vi adolescentes e jovens adultos que, tendo recebido a melhor educação formal possível, com acesso a todas as facilidades do mundo moderno, conectados à internet, muitos deles já tendo viajado por vários países, parecem andar sempre com aquele ar vagamente entediado de cachorro bassê, mergulhados numa apatia profunda, num tipo todo especial de alienação que não permite o surgimento de uma fagulha de interesse ou entusiasmo por algum assunto ou atividade, qualquer que seja. Bombardeados dia e noite por milhões de mensagens de todos os tipos imagináveis, e sem preparo intelectual para separar o joio do trigo, esses jovens (e, sejamos sinceros, também outros não tão jovens) acabam jogando a toalha, preferindo fechar-se na concha de um mundo onde nada tem importância, nada vale a pena, e a vida resume-se a uma grande perda de tempo. Quem costuma agradecer por isso são traficantes de drogas e outros tipos que encontram maneiras de lucrar em cima de pessoas que buscam algum sentido para suas vidas, ainda que das maneiras mais estúpidas imagináveis. Hum... Informação é bom?

Informação é bom, dependendo do que se faça com ela. E o que cada pessoa irá fazer com a informação que recebe, depende das ferramentas que possua para tanto. Quando é bem assimilada, submetida a uma análise crítica, relacionada com o que já sabemos sobre o assunto - e sobre outros assuntos - e somada ao nosso repertório mental, a informação transforma-se em conhecimento, e nos enriquece, robustece, torna mais lúcidos, inteligentes e capazes de compreender o universo. Informação é como alimento. Corretamente processada (digerida?), passa a fazer parte do nosso todo. Porém, informação em excesso e/ou de má qualidade não pode ser assimilada como deveria, e, além de não nos trazer proveito, ainda pode nos fazer passar mal...

Quando escrevi acima que o processo de assimilação da informação requer que ela seja correlacionada com o que sabemos não só sobre o mesmo assunto, mas também sobre outros assuntos, não foi só para encompridar a frase. A meu ver, interdisciplinaridade, por mais que seja uma palavra comprida e deselegante, é também essencial, e essa é uma razão a mais para ser fã de Leonardo. Claro que pouquíssimos de nós teriam condições de se igualar a ele, que era pintor, escultor, arquiteto, inventor, geólogo, matemático, naturalista, filósofo, músico e cozinheiro de mão cheia, mas o importante aqui é ver as maravilhas de que nos tornamos capazes quando nos deixamos invadir pelo desejo de saber e de realizar, por um deslumbramento infantil e uma curiosidade sem limites perante o mundo e tudo o que nele existe, e derrubar esse pensamento rasteiro que desmembra o conhecimento humano em áreas incomunicáveis entre si e acredita que cada pessoa só deveria aprender o que vai "usar". Esse é um dos mais graves dentre os hábitos mentais limitadores.

2 comentários:

Anônimo disse...

Informação é poder, e o poder corrompe... Será que o bombardeio de informação e conhecimento que recebemos hoje está levando a humanidade a algum lugar? Será que outros Leonardos poderão surgir numa era onde basta ir no google e buscar as respostas para qualquer questão da vida (mesmo que seja mentira) sem precisar do mínimo esforço criativo? Será que o mundo precisa de outros Leonardos se tem outras ferramentas ainda mais poderosas no ramo da INFORMática?
PS: esse livro deve ser bem interessante, acho que era tudo que eu precisava no momento!!! rsrsrs

Ludmilla Balduino disse...

Gostei do que você escreveu sobre informação.

Seu texto me ajudou a perceber que conheço muita gente que sofre dessa apatia em relação ao mundo. Eu não havia percebido que era o excesso de informação!

Um abraço