quarta-feira, janeiro 20, 2010

Gratidão II

Nunca me atraiu a tendência "olha eu aqui" que parece nortear a atitude da maioria das pessoas no que se refere à internet - prova disso é que ainda hoje, em pleno ano de 2010, continuo a manter uma distância segura de Twitters, MySpaces e seus parentes (o orkut eu até tangenciei, mas deve fazer uns dois anos que não vou lá). Irrita-me a ansiedade inexplicável da vasta maioria dos usuários dessas redes em compartilhar não ideias, conhecimento ou qualquer outra coisa de relevante, e sim com quem "ficaram" na festa tal ou o fato de terem mudado o corte do pelo do cachorrinho. São coisas que eu simplesmente não quero saber, e reservo-me o direito de não querer.

Quando criei este blog, no fim de 2007, depois de três anos tocando o
Notas de Literatura, foi com a ideia de postar textos inspirados por meus próprios pensamentos, sem necessariamente estarem vinculados a livros ou filmes. Sempre que possível, faria isso sem entrar em detalhes sobre o evento da minha vida pessoal que porventura houvesse inspirado o pensamento, justamente para não me igualar aos "seres" que acabo de "escovar" no parágrafo anterior. Só que há momentos na vida em que as circunstâncias, sem pedir licença, simplesmente mandam para o espaço até mesmo as nossas mais enérgicas resoluções, obrigando-nos a fazer precisamente o que havíamos decidido não fazer. Então, vamos nós.

É irônico que, tão pouco tempo depois de escrever um texto sobre gratidão - aquele, não inspirado por nada em especial -, eu seja trazido de volta ao assunto, desta vez por motivos bem concretos. Para limitar ao mínimo possível as referências à minha vida pessoal, e também para não me alongar rememorando coisas desagradáveis, direi apenas que, na tarde de 05 de janeiro, de maneira mais ou menos repentina, comecei a sentir fortes dores abdominais, eventualmente identificadas como sintoma de uma apendicite, doença que uma pessoa de sorte pode morrer velha sem ter, mas que não escolhe idade: tive-a aos 35 anos, como poderia ter sido aos sete, aos 18 ou aos 60. Fui hospitalizado, submetido à cirurgia adequada, e então passei por uma convalescença que, mesmo rápida, deu-me, pela primeira vez na vida, a compreensão do que é estar com uma doença realmente incapacitante - e do que é gradualmente se recuperar dela, retomando aos poucos o contato com coisas que, no dia-a-dia, temos o mau costume de ver como "normais". Voltarei a falar nisso e em algumas das suas implicações.

De forma bem previsível, minha maior dívida de gratidão em todo esse episódio é para com minha mãe, que permaneceu ao meu lado praticamente o tempo todo, zelando de todas as formas para que eu ficasse bem, ou tão bem quanto possível naquelas circunstâncias, lembrando-se de uma longa série de detalhes práticos nos quais eu dificilmente teria pensado, e, mais importante ainda, permitindo-me o conforto de sua companhia, o que foi especialmente precioso nos terríveis dias imediatamente após a cirurgia, quando a medicação pesada me mantinha num permanente mal-estar físico, com as inevitáveis consequências sobre o meu estado de espírito. Como, ao contrário da maioria das pessoas, não tenho nenhuma dificuldade para externar sentimentos, nem acho constrangedor fazê-lo (não invoco nenhum mérito pessoal nisso: simplesmente me considero com sorte por ser assim), já agradeci de viva voz, pessoalmente, e com a ênfase devida, mas, como não parece certo contar a história sem mencionar novamente a minha gratidão, aqui está: muito obrigado, mãe.

Agradeço, também, ao médico e à equipe do hospital que cuidaram de mim. Graças e eles, estou aqui, novamente de pé e pronto para outra (não outra apendicite, que, pelo que sei, e graças a Deus, não se tem duas vezes! Espero jamais passar por nada de semelhante de novo). Apesar do aquecimento global, das profecias maias e do
Big Brother, também me sinto grato por viver no século XXI, quando a tecnologia médica disponível permitiu que tudo fosse feito sem nenhuma grande incisão, o que se traduz num restabelecimento rápido e praticamente nenhuma cicatriz. Bem diferente do que era uma operação desse tipo meros 20 ou 30 anos atrás, já pensaram?

Um agradecimento também a
o Samir
, que, de mero conhecido cordial que era até agora, passa a integrar a restritíssima lista das pessoas que considero meus amigos - e quem me conhece sabe que nunca uso essa palavra no seu sentido orkútico: para mim, amigo é amigo. E não dá para considerar menos que isso uma pessoa que faz por outra o que esse cara fez por mim. Valeu, Samir!

Agradeço, ainda, aos meus colegas de trabalho, que, mesmo com a equipe já reduzida nessa época de férias, desdobraram-se heroicamente para cobrir mais essa baixa inesperada, além de me darem bem-humoradas injeções de ânimo por telefone em diversos momentos. Obrigado, pessoal.

Quero terminar falando de outro tipo de gratidão, a que experimentei ao ter de volta uma série de pequenas coisas que (percebo agora) de pequenas não têm nada. Eu experimentei dor numa escala, para mim, inédita, e, o que é mais, dor constante, persistente, que durante alguns dias me impediu de coisas como relaxar e dormir. Uma vez livre disso, e impossível não se perguntar como é que geralmente não nos damos conta da delícia indescritível que é poder deitar, respirar fundo e relaxar, sem sentir nenhuma dor ou incômodo, nenhum enjôo causado por remédios, nada. Como não percebemos a bênção que é uma boa e tranquila noite de sono, na posição que mais nos agrade, sem a preocupação de não deitar sobre o lado direito? Nunca vou esquecer o primeiro copo d'água que me deram, depois de quase dois dias sem poder ingerir coisa alguma. Cada copo d'água que eu beber de agora em diante vai me lembrar disso, e será mais apreciado que qualquer vinho raro. E o que dizer da minha maravilhosa cama, depois de ter experimentado cama de hospital - uma estrutura em cima da qual a gente tem a sensação de estar sempre se equilibrando, pois não parece algo projetado para que uma pessoa se deite com um mínimo de conforto? Podem apostar que de agora em diante prezarei muito mais todas essas coisas e outras semelhantes, e me lembrarei com mais frequência de reclamar menos e agradecer mais.

Por fim, embora a impressão que tenho seja de que esse período de tratamento demorou meses, vejo que tudo se deu em meras duas semanas, o que significa que o ano está só começando. E, de repente, ele me parece cheio de possibilidades.

Obrigado!

Nenhum comentário: