terça-feira, abril 22, 2008

A Ignorância ao Alcance de Todos

Escreveu Oscar Wilde que "todo crime é vulgar, e toda vulgaridade é criminosa". É verdade que a frase está no livro O Retrato de Dorian Gray, e, se não me falha a memória, é dita por um certo lorde Henry, que vem a ser um dos personagens mais insuportáveis da literatura universal, pois parece devotar todo o seu tempo (o que não é inverossímil, considerando o completo ócio em que viviam os ingleses da classe alta naqueles dias) a elaborar frases cínicas com que entreter e escandalizar os amigos. E eu, por temperamento, tenho sempre vontade de esganar pessoas cínicas... Mas, no meio de tanta bobagem pseudo-espirituosa, o tal lorde diz, em todo o livro, umas duas ou três frases muito boas, e essa é uma delas.

Fale a verdade: você também conhece (todo mundo conhece) pessoas que, mal pegam o jornal, vão direto à página policial para ver quem matou quem e se deleitar comentando as circunstâncias escabrosas dos crimes. Claro, pode haver quem tenha um interesse científico pelos aspectos psicológicos da coisa, mas não creio que a porcentagem de pessoas com vocação para psiquiatra forense na população em geral seja suficientemente grande para explicar essa multidão de ávidos leitores de página policial - que, não raro, pouca coisa mais lêem. Parece bem mais provável que isso seja uma pista sobre a natureza da vulgaridade, sobre a qual Wilde teorizou.

Outro autor, cujo nome não lembro agora, dizia que "as grandes inteligências comentam idéias, as inteligências medianas comentam acontecimentos, os ignorantes comentam a vida alheia". É um fato da vida que a cabeça do ser humano precisa se ocupar de alguma coisa. Quem não tem acesso (seja por percalços da vida ou por própria culpa) às artes e às ciências, e portanto não conhece o tesouro de beleza e conhecimento que a humanidade acumulou ao longo de sua história - e que hoje está aí para usufruirmos, sem esquecer nosso dever de o aumentarmos para as gerações futuras - só pode mesmo deter-se em detalhes mesquinhos, no nível que sua compreensão alcança, e é para esse tipo de pessoa que adquire uma importância desesperadora saber se o vizinho do outro lado da rua está ou não enganando a mulher, ou quem matou quem na cidade durante o fim de semana. Perguntem-me se Einstein, Leonardo da Vinci ou Tolstoi saberiam dar alguma informação sobre a vida pessoal de seus vizinhos!... Eles simplesmente tinham coisas muito melhores em que pensar.

Talvez essa civilização tecnicista tenha a sua parcela de culpa, por criar na cabeça das pessoas "normais" uma tamanha desconfiança de qualquer coisa que não tenha finalidade prática. Um conhecido meu declara de boca cheia que não "perde tempo" lendo romances, que poesia é uma estupidez porque o cara "pode escrever qualquer merda que todo mundo vai achar lindo", que "não tem saco" para olhar pintura ou fotografia, e que até música ele só ouve quando está no carro. Ou seja, esse cidadão absorveu com perfeição a ideologia moderna que classifica arte como coisa inútil. Alguém pode se surpreender de que uma anta dessas esteja sempre interessadíssima em saber detalhes sórdidos da vida de vizinhos e conhecidos, ou que adore ler notícias de crimes? Sobra sempre um vácuo na nossa vida onde não conseguimos enchê-la com trabalho ou sono, e esse vácuo, de uma forma ou de outra, vai ser preenchido. Quem não cultiva seu espírito, fatalmente acabará tendo-o transformado em aterro sanitário.

2 comentários:

Geo²rgia disse...

Acho que foi o texto seu que mais gostei. Ou que pelo menos mais me identifiquei. Não na parte da vida alheia, óbvio.
Mas eu posso garantir, leo da vinci, tolstoi ou einstein; não falavam da vida alheia porque não enxergavam a vida alheia. Eram tão submersos numa outra realidade que os vizinhos (e porque não familiares) eram como se fossem árvores, mesas ou cadeiras...Não tinham vida em si...Creio que eram pessoas tão geniais que não pertenciam à essa dimensão de mortais como nós.
Estou longe (anos-luz para ser mais exata)de ser considerada uma pessoa genial. Mas mesmo com minha sub inteligência, eu já considero esse seu cômico relato, pequeno demais para mim, imagina grandes personalidades como eles.

Beijos

Marco Túlio disse...

Esse padrão,a qual estas pessoas,elas mesmas se enquadram, é algo como uma aceitação estúpida de que isso é tudo que pode acontecer na vida delas. Como você escreveu em outro texto (letra do Renato Russo):"estou acordado e todos dormem"... Mas acredito que estas pessoas,algumas, até se dão conta de que certas coisas são de uma ignorância que as deixam estagnadas,mofando os pensamentos.Só que acabam aceitando continuarem assim.Não se esforçam para ver além disso,porque tem a idéia absurda de que se ousarem pensar por si,serão vistas como "loucas" talvez.. Se usássemos nossos pensamentos,nossa mente tão magnífica,para nos importarmos com o que os outros acham,definharíamos em meio a futilidade.
A mídia "popular",as aberrações inúteis,tudo isso que surge e se expande em massa provoca um retrocesso;uma "lavagem cerebral". O triste é que as pessoas aceitam tão fácil e perdem suas próprias opiniões,pois é mais fácil deixar os outros pensarem por nós..só que ao acordar pode ser tarde demais..para os que ainda acordarem né...
Marcos. São ótimos os teus blogs. Muito bom despertar estes questionamentos!